Mesmo os livros pouco abordando este fato a cidade de Itararé (SP) teve participação decisiva na Revolução de 1932. Isso mesmo, assim como em 1930, quando da passagem vitoriosa de Getúlio e sua comitiva, em 1932 a até então pacata cidade de cerca de 10 mil habitantes, serviu de frente de combate. Para tanto que se entenda:
Por sua localização estratégica, cercada de formações rochosas que ligam o estado de São Paulo ao Paraná, novamente foram cavadas trincheiras na área de divisa do município. Sendo que em menos de dois anos após a passagem dos gaúchos que levou Vargas ao poder, aconteceu que a cidade era agitada por outra revolução.
Muitos batalhões foram mobilizados pelos paulistas para a defesa da frente sul do estado. Entre eles, se destacou o Batalhão Universitário 14 de Julho, formado, na grande maioria, por estudantes universitários da capital.
Através do Batalhão 14 de Julho e de obras que foram escritas posteriormente por seus componentes, é possível termos ideia do que se passou no mês de julho de 1932 em Itararé. Um de seus jovens componentes foi Aureo de Almeida Camargo, então estudante de Direito em São Paulo. Natural de Amparo (SP), Aureo esteve presente nas principais batalhas travadas na frente sul. Em 1933, um ano após o confronto, lançou seu livro de memórias do Batalhão Universitário, denominado “A Epopea”.
Seus relatos ajudam a entender todo o imaginário formado em torno daquele estudante de pouco mais de vinte anos que acabara de desembarcar na Estação Ferroviária da cidade:
São as portas de S. Paulo, essa pequena cidade humilde nas suas casinhas, que vistas da estação se assemelham ás casas de madeira do Monte Serrat santista, tal a multiplicidade de cores aportuguesadas que apresentam. Impressão de cidade americana de fronteira, onde se praticam crimes e contrabandos, tudo que cabe numa localidade de divisa. Engano da imaginação de cinema. São as lendárias portas de S. Paulo que ali estão, são os Itararés, a cidade, o rio, a barranca.
Contudo, o Batalhão a que Aureo fazia parte teve vida curta na defesa de Itararé. Pois no dia 18 de julho, três dias após sua chegada, foi descolado até Faxina (hoje Itapeva). Deixar Itararé, além de enfraquecer a defesa que passou a ser feita pelos poucos batalhões que restaram, trouxe para Aureo e seus camaradas um sentimento de comoção:
Chorem, senhores da retaguarda, que a tropa de Itararé está chorando, os comandantes, os soldados. Um mixto de ódio e pezar. Abriram-se as portas de S. Paulo, senhores de S. Paulo! Pudessem ellas ser sustentadas com lagrimas... [...] O “Cavalleiro de Itararé” já não é uma figura lendaria, ameaça das mães ás crianças endiabradas, uma qualquer coisa com feição de Apocalipse, e sim uma realidade, tomou forma humana. E vem ahi, pelas portas. Corrrei, crianças...
Itararé cahiu!
O espirito de oppressão das retiradas, a angustia do abandono, mais o aperto de coração, que se reflecte escandalosamente nos olhos e no silencio acabrunhador, fazem a retirada de Itararé, tudo no malfadado 18 de Julho, o decimo da revolução paulista.
O Batalhão 14 de Julho, em sua rápida passagem por Itararé, foi fotografado pelas lentes de Claro Jansson. Em seu estúdio fotográfico na cidade, Claro recebeu sete dos integrantes do Batalhão para uma foto que se tornaria histórica. E adivinha que é o primeiro em pé da esquerda para a direita? Sim, é justamente Aureo de Almeida Camargo!
Mas voltando a tratar dos relatos locais que nos dão um ângulo diferente daquele generalizado, é preciso dizer que o O Estado de São Paulo e A Gazeta foram dois dos muitos jornais paulistas que dedicaram cobertura do levante desde seu início. Em suas páginas do mês de julho de 1932 há reportagens informando sobre a situação na frente sul. Nessas matérias, Itararé tem sua situação destacada. Apesar da cobertura, notícias de derrotas nos conflitos eram omitidas ou tinham seu conteúdo alterado de forma a transmitir ao leitor que determinados contingentes que recuaram o fizeram por necessidade estratégica para melhorar a defesa, mas nunca motivados pelo avanço dos inimigos.
Em edição do dia 22 de julho, O Estado de São Paulo atentava para a publicação de “A verdade sobre Itararé”, matéria em que a partir da publicação de uma carta, refutava os comentários que diziam ter sido o exército constitucionalista derrotado na cidade. Segundo a correspondência, as maiores baixas tinham sido dos adversários, tendo os constitucionalistas apenas “alguns arranhões”:
A verdade sobre Itararé
Comunica-nos o Serviço de Publicidade:
“O sr. Carlos Lobato, escrivão da 1ª delegacia de policia desta capital, recebeu do dr. Cyro Werneck de Souza e Silva, voluntario que faz parte do batalhão “14 de Julho”, a seguinte carta:
“Estamos em Faxina, descansando da luta. Hoje ou amanha seremos novamente encaminhados para os pontos de combate.
O animo da nossa tropa é optimo. Muitos do nossos companheiros, quando receberam ordem de seguir, com escalas, até Faxina, choraram de desespero: não queremos abandonar o “front” de maneira alguma
As baixas dos nossos inimigos no ultimo combate, em Itararé, foram numerosíssimas. As “comedeiras” pesadas leves, bem como os fuzis falaram por muito tempo, fazendo estragos enormes.
As noticias que soubemos correr sobre o nosso batalhão, o “14 de Julho” são inverídicas. Estamos todos optimamente; apenas um ou dois companheiros estão com alguns arranhões, resultantes dos trabalhos nas trincheiras.
A Gazeta, também em edição de 22 de julho de 1932, publicava uma carta de um combatente que havia deixado Itararé. No documento, o soldado Carlos de Campos Pagliuchi, então já em Itapeva, procurava acalmar seu tio a respeito das notícias que vinham do setor sul. De quebra, o combatente achava ainda tempo para elogiar as mulheres da região:
Faxina, 19 de julho de 1932 – Caro tio – Saudações.
Escrevo-lhe esta de Faxina, onde estamos fazendo uma estação de repouso! Que terra adoravel! Somos servidos por garotas do outro mundo, o que nos deixa até algo encabulados... Pudera, já estamos perfeitamente imbuídos no nosso papel de simples soldados!
Depois de um descanso de uns dois dias retornaremos ao nosso posto na fronteira.
Todas as noticias que circulam a respeito de Itararé são falsas: não tivemos ainda um ferido, siquer!!!
A vida do soldado raso é admirável: pouco trabalha e só vive reclamando e tapeando os outros; estou engordando muito.
Assim por meio da observação destas fontes aqui apresentadas se percebe uma curiosa diversidade de relatos surgidos a partir da movimentação em torno da Revolução Constitucionalista de 1932 em Itararé. Mesmo sendo tão só, pois, apenas pequenos fragmentos de uma história que aos poucos vai se desvencilhando de sua postura rígida para se tornar referência de informações de fácil acesso, pudemos ter uma percepção mais viva do que a morna exposição em voga nos livros escolares. Abrindo assim um procedente para outras análises em que sejam expostas mais de uma visão sobre dados fatos.
Como é o caso da Revolução de 1932 até hoje vista como uma vitória na história paulista, apesar dos aspectos aqui levantados não serem um segredo a mostrar uma realidade diferente da propaganda levantada para o empoderamento da identidade paulista. Logo, este escrito se faz um esforço a valorizarmos um pouco da história local como instrumento a melhor compreendermos a história mais generalizada que encontramos nos livros.
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Daniel Barreto: Licenciado em História pelas Faculdades Integradas de Itararé. Atua como professor de História na Escola Estadual Esther Carpinelli Ribas. Artigo publicado originalmente na edição de julho de 2013 do programa "Memórias Que o Rio Cavou", sob sua coordenação na Coordenadoria Municipal de Cultura.
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