POVOS DO PINDORAMA Parte 05 – Um pouco sobre a dinâmica socioeconômica dos indígenas brasileiros antes da colonização

É fato que com a chegada dos europeus às terras aonde hoje se dá o nome de Brasil, a motivação dominante era poder extrair o máximo de vantagens e tesouros que pudessem encontrar nelas. Sendo que com as primeiras explorações realizadas, já foi possível constatar que havia uma grande fonte de riqueza que predominava entre a vegetação da terra: o valioso pau-brasil. Sim, a árvore que dava um corante de cor vermelha muito utilizada na Europa para tingir roupas. A mão de obra para a extração desta madeira foram as populações indígenas que praticavam o escambo da madeira por itens como ferramentas de metal, espelhos, armas de fogo, cachaça, etc. 

Itens que faziam a diferença para sociedades que desconheciam o uso do metal para suas atividades diárias (bastando, por exemplo, comparar a funcionalidade de um machado de pedra em relação a um machado de ferro), como também para as suas guerras. E mesmo a itens que hoje nos são banais como os espelhos de vidro, neste tempo mesmo na Europa eles (criados somente no século 14 e tão só barateados em sua produção a partir do século 19), pasmem, mas se faziam, sim, preciosidades cuja técnica de fabricação era mantida em segredo para manter o seu valor elevado. 

Logo, se faz obsoleta esta visão dos aborígenes brasileiros como figuras ingênuas (e talvez até tolas) que trocavam valiosa madeira por meras bugigangas. Até porque esta abundante madeira era de enorme valor aos europeus, não aos nativos americanos que não viam demanda igual de consumo pela tintura desta árvore. Colocação esta que ajuda se adentrar ao convite feito agora para que revejamos à ideia de que os indígenas brasileiros eram populações simplórias sem grande complexidade.

Imagem ilustrativa dos primeiros contatos dos indígenas com o colonizador

Sendo este um assunto extenso, porém, em função disso, se atendo aqui somente a um breve primeiro contato sobre esta dinâmica sociocultural ainda muito ignorada pelos livros escolares. Ou por acaso, eles já tratam do fato de que muitas das comunidades nativas anteriores à colonização não eram meros aldeamentos pequenos com uma população ínfima? Dado que já constatou a existência de aldeias, por exemplo, na região Amazônica construídas alguns séculos antes do contato com os europeus que já abrigavam uma população combinada que ficaria entre 500 mil e 1 milhão de habitantes. Como é o caso das sociedades tapajônica e marajoara já observadas aqui e, também, de comunidades na região do Alto Xingu, no Mato Grosso, dentre outras. As quais somente vieram à tona graças aos estudos da arqueologia em nosso país.

Encontrando em seus estudos sítios arqueológicos pré-coloniais que variam entre 30 e 400 metros de diâmetro na região do Alto Xingu, ligadas por uma rede de estradas que as cortava nas direções leste-oeste, norte-sul e orientações secundárias em ângulos de 45 graus. Chegando a 50 metros de largura estes caminhos abertos e se estendendo por vários quilômetros e contavam com pontes e “acostamentos” feitos com terra.

Não diferindo do que se encontrou na região do Alto Tapajós, também no Mato Grosso, onde agrupamentos de até 20 hectares (sendo que para quem não entenda de medidas, cada hectare corresponde à área de um campo de futebol), os quais eram circulares, cercados por valas e diques defensivos. Compreendendo estas discrições não somente a percepção de elevadas densidades demográficas como também de que estas possuíam dada divisão de trabalho (ou seja, a divisão de tarefas especificas a cada membro da sociedade que se especializa nestas), havendo pelo menos os que se ocupavam nestas obras de engenharia enquanto outros tratavam da obtenção de alimento para si e para estes outros também. 

Logo, tamanhos contingentes evidenciam que além, do mito de que somente houveram aqui pequenas comunidades, se faz outro erro pensar que essas produziam de modo precário somente o essencial para sua sobrevivência. Uma vez que grandes agrupamentos não poderiam sobreviver sem uma grande produção de alimentos e que, por sua vez, seriam impensáveis em comunidades nômades que dependiam em sua maioria do extrativismo oferecido pela boa vontade da natureza. Havendo muito o que falar das mais variadas formas de intervenção destes indígenas em seu ambiente.

Como, por exemplo, na região Amazônica mais de 80 espécies de plantas selvagens foram transformadas em cultivos agrícolas pelos seus povos nativos, tais como o cacau, a batata-doce, a mandioca, o tabaco e o abacaxi, além das que ainda são tipicamente amazônicas, como o açaí e o cupuaçu. Ainda que esta domesticação de plantas nem sempre possa ser vista como o mesmo que agricultura necessariamente. Ou seja, o manejo de espécies vegetais selecionando espécies de árvores que lhes eram uteis e assim estimulavam o seu crescimento usando fogo, as transportando e abrindo espaço para as plantas. Gerando assim plantas incipientemente domesticadas. Para tanto se entendendo que são capazes de se desenvolver e se reproduzir sem um cuidado constante, em contraste com as completamente domesticadas, que não sobrevivem fora de um ambiente criado por humanos.

Podendo assim se compreender como era possível uma capacidade de produção de alimentos além da mera subsistência que deste modo permitia excedentes suficientes para uma prática de escambo que já era praxe muito antes da chamada colonização. Tal como a arqueologia na ilha do Marajó já constatou pela descoberta seus artefatos de pedra variados num ambiente onde naturalmente este material é muito escasso evidenciando um comercio com outras comunidades distantes.

Artefato de pedra

Sendo que relatos de que os povos tupinambás igualmente promoviam trocas comerciais, inclusive com populações inimigas, quando em tempos de paz, igualmente mostram um elevado grau de desenvolvimento material que fazia que as relações sociais entre estas comunidades fosse muito além das atividades de guerra. As quais tinham muito da sua motivação por razões culturais. Podendo mais ser dito, contudo, ao se tratar de um assunto que para muitos é algo inédito, talvez pouco se estendendo sobre ele ajude a melhor assimilar esta nova visão que estamos apresentando e relação a nossos indígenas, não somente neste artigo, como em toda a série “Povos do Pindorama” onde comentamos somente a alguns aspectos unicamente.



Sobre o Autor:
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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