FÉ NA DEMOCRACIA LIBERAL, PASSE LIVRE PARA O FASCISMO?

 

“Aquele que torna outrem poderoso arruína-se a si próprio”

Maquiavel

 

Você é dessas pessoas que se sentem profundamente sensibilizadas com estátuas de confederados caindo, racistas apanhando ou obras de arte de 20 mil dólares se quebrando aos pedaços? Você considera esses fatos como ataques à liberdade de expressão ou de criação? Você realmente acredita que pisamos, enfim, na linha de chegada da humanidade e que todos têm apenas flores a oferecer?

O ser humano é um ser genérico, diz Marx nos seus manuscritos de 1944, ou seja, ele não nasce predestinado a nada, sua humanização se funda no trabalho e na práxis dentro da sociedade, e ele pode ir muito mais longe do que este triste tempo de barbárie. O que essas palavras querem dizer é que quem acredita que os problemas de nossa civilização podem se resolver com belos discursos nas redes, hashtags ou causas defendidas dentro de casa, não aprendeu a lição. O que a realidade nos mostra é a existência de contradições na sociedade, e mais do que elas – antagonismos. Ser palatável a todos é praticamente uma virtude para quem acredita na democracia liberal. Ninguém nasce nesse mundo já conveniente. Somos o que somos para o conjunto e a totalidade da vida social. Tudo isso para poder dizer que o fascismo não se combate no campo do convencional.


Gravura de Karl Marx intervindo no histórico Congresso de Haia da I Internacional, setembro de 1872. Fonte: A Nova Democracia


Nesse sentido, nem a violência pode ser de antemão descartada. Pois quem são as pessoas que pensam ser a violência desnecessária senão aquelas que têm uma concepção abstrata acerca da luta? Esses sujeitos combatem seus antagonismos de classe somente dentro dos limites que seu excesso de vida privada permite.

Posso pensar que convencendo meus amigos a vestirem rosa estarei combatendo a homofobia; ou posso crer que – em meu surto de Policarpo Quaresma – minhas hortaliças salvarão o mundo. Mas... um fascista vestido de rosa e comendo cenoura ainda é um fascista. A luta contra os antagonismos de classe, da parte dos trabalhadores e demais oprimidos, se dá com mais abnegação e desprendimento, e menos vida privada. Leia-se “vida privada” aqui no sentido fetichizado, do mundo exclusivo das minhas coisas e minhas vontades, do meu eu que se basta a si e traça fronteiras com a coletividade. Ou seja, é a resistência e a rebeldia das massas, para além das suas representações formais do sistema burguês, que dão o passo decisivo no combate ao fascismo. E nesse passo decisivo, é necessário ultrapassar a tendência a se deixar levar pelos hábitos do que Marx chamou de bourgeois, na obra “A Questão Judaica”, aquele que, se preocupando com direitos, se preocupa apenas com os seus direitos; aquele que, se preocupando com a liberdade, se preocupa apenas com a sua própria liberdade dentro dos limites do sistema.

Lênin, no seu “A revolução proletária e o renegado Kautsky”, investe contra o pensamento deste e seus preconceitos liberais, de que haveria uma “democracia” em geral a ser respeitada, o que deslegitimava ações mais contundentes. Em sua crítica, o revolucionário bolchevique aponta que isso não passa de um embuste de liberal para enganar os operários. E acrescenta que não existe Estado, nem mesmo o mais democrático, cujas leis não permitam que se lance as tropas contra os trabalhadores. Basta lembrarmos, como exemplo disso, nossa lei antiterrorismo sancionada por Dilma Rousseff.



Isso nos leva a repetir mais uma vez: a democracia formal é insuficiente para esmagar o fascismo, nem mesmo os resquícios mais tardios da casa grande ela teve o trabalho de enterrar. A luta contra a barbárie racista, fascista e fundamentalista precisa ser travada de modo intransigente, sem tolerância e coletivamente. Não se pode encarar como sendo do chamado “jogo democrático” que milícias apoiadoras de Bolsonaro vão para frente de um hospital agredir verbalmente uma criança vítima de estupro.

Gostaria que esses tempos ficassem na memória de muitos sujeitos como em um romance existencialista de Camus: que a luta contra o fascismo exigisse também nossa escolha determinante e transformação qualitativa, e não a paz dos cemitérios, onde tantos de nós prendem seu burro.

Agosto/2020

Sobre o autor:


Pedro Amaral: Militante do PCB (Célula de Alegrete), membro do Comitê Regional do PCB-RS. Mestre em Ensino de Línguas pela Universidade Federal do Pampa.

                                


     

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