O ano de 2020 certamente será lembrado muito mais pelas tragédias que marcaram como a pandemia do COVID 19 (Novo Corona Vírus), os incêndios que arrasaram a Austrália (afetando enormemente a vida selvagem do país), o medo de uma guerra entre EUA e Irã (devido um ataque aero que matou o general iraniano Qasem Soleimani), crises políticas que têm tornando um desgoverno ainda mais caótico a administração de Jair Bolsonaro no Brasil. E assim poderíamos enumerar outros fatos que lamentavelmente farão 2020 ser um ano que muitos desejariam imensamente esquecer.
Mesmo não tendo como referência um
pai que tenha sido político conhecido igual o foi George W. Bush, nem
demonstrando qualquer competência para administrar a um país como os EUA
enfrentando grande crise; tendo sido desde já um candidato folclórico que
parecia de todo improvável vencer, porém, como já vimos antes, foi justamente o
fato de ele apresentar uma imagem de politico diferente que lhe assegurou
popularidade.
Para tanto evocando a nostalgia de
outros tempos que prometeria resgatar, assim como criando uma divisão entre
“nós e os outros” por assim se dizer. Que já vimos que se faz criar um culpado
para a crise se vive, se apontando um elemento já hostilizado tradicionalmente
por este grupo que se espera cativar. Em suma, se superestima um inimigo gerado dentro
de um preconceito maniqueísta há muito existente num coletivo.
Devendo se entender como preconceito qualquer
"juízo" preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude
discriminatória perante pessoas, culturas, lugares ou tradições que sejam considerados
diferentes ou "estranhos" por uma “maioria”.
Por sua vez o termo maniqueísta aqui pode se entender tanto
em uma avaliação positiva como negativa de outra pessoa feita com base
unicamente na sua afiliação ao grupo percebido. Podendo esta construção ser tanto
social, racial, sexual ou cultural, ao mesmo tempo em que nunca sendo
racionalizado, mas sim emotivo. Ocorrendo que este sentimento de hostilidade ao
diferente ganha maiores adesões em tempos de grandes crises. Dada a maior
comodidade em delegar a culpa a esse visto como o “estranho”.
Recaindo essa condição aos membros diferentes dentro do
grupo, que não foram plenamente absorvidos pela homogeneização forçada (como os
judeus na Alemanha nazista e os imigrantes latinos nos EUA). Ou mesmo a um
suposto “invasor” disposto a ameaçar seu modo de vida (como a influência
ocidental para o fundamentalismo islâmico). Portanto,
sem uma visão maniqueísta entre bons (nós) e maus (os outros) o discurso
extremista perde muito de seu sentido. Já que a brutalidade que ele justifica
idealizar, o faz em torno de uma suposta ameaça desses ditos “malignos”.
Sendo
que boa parte do eleitorado de Trump, como já vimos, foi de brancos de classe
média, pouco instruídos. Elementos menos aptos para a grande competição da
globalização e, em função disso, igualmente tomados de um ressentimento
irracional com os imigrantes no país. Vendo a eles como sendo intrusos que
estão a lhes “roubar” seus empregos e “inchar” os programas sociais do governo,
sustentados pelos impostos que pagam. Logo, o discurso de Trump que enfurece
aos que veem com racista e xenófobo, igualmente atraiu a esses que nutrem um preconceito
igual, ainda mais aflorado com o estourar da crise.
Semelhante aos britânicos que votaram no
Brexit, em especial o fazendo contra os imigrantes e o risco que, em seu
entender, eles representam ao sistema de seguridade social. O cidadão comum,
especialmente os acima de 60 anos de idade (grande parte da população britânica
hoje), votou pensando na defesa de seus direitos. Nisso a dita
espontaneidade, assim entendida em Trump ao se referir sobre os latinos, os
imigrantes ou os muçulmanos, ele se mostra, para esses eleitores, como um
autêntico alívio poderem ouvir o que eles se limitam a pensar. Ou seja, como já
vimos antes, a sua ascensão também é graças à discutível competição entre
imigrantes, inclusive latinos, que buscam uma vida melhor[2] e
estudunidenses que se entendem por natos e que se sentem ameaçados pela falta
de recursos para todos.
Vendo como uma dentre outras soluções, um fechamento da
economia a todos assim vistos como intrusos, tal como foi visto no proposto do
plebiscito do Brexit no Reino Unido e que políticos conservadores de outros
países dizem querer imitar. Sem considerarem com isso consequências
devastadoras ao longo prazo, como, por exemplo, dentre várias outras
possibilidades, uma fragmentação (lenta e gradual) desta nação extremamente
prejudicial, com uma (muito possível, dependendo dos desdobramentos que se
sigam) saída da Escócia e Irlanda do Norte, insatisfeitas desde o anúncio da
vitória do Brexit.
Nisso, quaisquer semelhanças com Jair Bolsonaro na
presidência do Brasil, não é mera coincidência. Visto que este, apesar de ter sua popularidade
em queda, igualmente cogita uma reeleição (muito mais incerta que a de Trump em
vista da decepção para com ele que, por ora tem aumentado constantemente), tem justamente
como trunfo eleitoral o sentimento conservador de aversão a estes ditos
“outros”, “inimigos”. No caso, principalmente o petismo (ainda encabeçado por Luis
Inácio Lula da Silva que, inclusive quase conseguiu eleger um candidato de
pouca expressão a nível nacional Fernando Hadad, em 2018) em função da
ideologia do PT muito se apoiar na causa de elementos combatidos por estes
segmentos reacionários da população.
Por mais que seja altamente discutível ao PT uma
culpabilidade pelos problemas do país maior que os desmandos promovidos pelo MDB
(com Michel Temer e que muito esteve presente no governo Dilma) e pelo PSDB
(com as crises econômicas que FHC não conseguiu conter a ponto do próprio
empresariado passar a ver com simpatia Lula desbancar a hegemonia de tucana,
tendo o apoiado consideravelmente em sua primeira vitória em 2002[3]).
Em suma, podendo ser dito que fenômenos como Trump e
Bolsonaro, mostram um desejo das pessoas por fato mudanças de fato (mas não que
lhes criem medo, não ameacem suas zonas de conforto) ao mesmo tempo em que as
opções disponíveis aos eleitores em geral não apresentam perspectivas de
mudanças. Seja por serem filhos, netos, outros parentescos de políticos a quem
sucedem; seja por posturas políticas semelhantes aos que estão ou estiveram no
poder; seja pela sua fala que claramente demonstra apenas o desejo pelo poder e
não o compromisso de algo fazer ou total despreparo (tanto que se Bolsonaro
tivesse disputado com Lula, a eleição poderia ter tido outro resultado[4]). Ocorrendo
a vitória de Bolsonaro em boa parte pela ilusão
(para muitos, bastante convincente) de não ser um candidato corrupto, muito menos
conivente com ela[5].
Tendo assim a vitória destes caricatos candidatos ao
topo do poder muito a refletirmos. Primeiro o fato de que apesar das mudanças
serem extremamente importantes, é um fato que boa parte das pessoas tem medo
dos impactos que elas podem trazer. Independente de o serem ou não
compreensíveis esses temores pelo novo. Logo, enquanto houver radicalismo entre
os progressistas que defendem grandes mudanças, na mesma proporção se
fortalecerão os radicais reacionários. De pouco adiantando se argumentar com
estes que o radicalismo conservador pode ser tão nefasto quanto os males que seus
defensores justificam no radicalismo de esquerda.
Paralelo a isso, por sua vez, essa ascensão de tais
demagogos de discurso inflamado mostra, acima de tudo, o anseio ardente das
massas por algo que lhes pareça ser a diferença (mesmo quando não o são
realmente), mas acima de tudo uma diferença que julgam não lhes ser perigosa.
Tanto que a história mostra que muitos políticos até chegarem aonde chegaram
ninguém apostaria em suas ascensões, como foi o caso de Nilo Peçanha, Jânio
Quadros e Lula. Exemplos que bem mostram como a política não é um jogo dominado
tão só pelos grandes poderosos.
Pois, nunca é demais enfatizar que as massas querem
mudanças, mas as desejam tanto quanto almejam à segurança de uma dada
estabilidade. O que pensando bem, se faz uma equação que qualquer um que queira
adentrar à política, sem o apadrinhamento das velhas raposas, tem ao alcance.
Porém, para isso, precisando realmente convencer aos outros que se faz uma
diferença que de fato atenda aos anseios da sua sociedade como um todo.
Ausência desta competência que então favorece aos políticos já tradicionais,
pois os eleitores se não podem contar com que estes façam algo, ao menos se
consolam na previsibilidade dos mesmos que lhes “protege” de surpresas que não
querem.
Portanto, de certo modo o fenômeno Trump-Bolsonaro se
resume a isso: um anseio desesperado por mudanças, mas não mudanças que assustem
à muitos que assim, comumente, temem quaisquer ameaças ao seu comodismo em seu
modo de viver e/ou (principalmente) de pensar. Logo, o radicalismo de um lado (seja
esquerda ou direita) sempre alimenta ao outro (seja direita ou esquerda) num
ciclo só possível de se romper aos que tiverem coragem de o encarar.
[1] Que,
ironicamente, em boa parte por causa da pandemia do Covid 19, como já
comentamos anteriormente, a vitória de Trump é cada vez mais incerta, porém,
não de todo descartada.
[2] Sendo assim
irônico o preconceito de Trump em relação aos imigrantes pobres, considerando
que sua mãe, Mary Anne MacLeod (Trump) chegou aos EUA em 1930 justamente como
uma imigrante pobre em busca de melhor perspectiva de vida.
[3]Como foi o caso de Sérgio Haberfeld, Eugenio Staub, Lawrence Pih, José P
essoa de Queiroz, dentre outros.
[4] Fernando Hadad somente teve
experiência num cargo executivo quando prefeito de São Paulo, tendo tido uma
administração bastante controversa, além de ter sido perceptível ao longo da
campanha que o mesmo “não caminhava com as próprias pernas” sem a orientação de
Lula, nisso lembrando à Dilma Roussef que igualmente
se elegeu graças a Lula e que, principalmente, em seu segundo mandato enfrentou
bastante impopularidade que gerou o ambiente propicio para sua queda, tendo seu
sucessor Michel Temer igualmente concluído um governo altamente decepcionante e
controverso e não sendo derrubado apesar disso, tal aconteceu a Dilma (assunto
que merece até uma discussão futura).
[5]
Tão forte esta falácia que
ofuscou ao fato de que Bolsonaro ao longo de toda a sua carreira teve uma passagem
política completamente medíocre, sem nenhuma ação relevante.
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