O FENÔMENO DONALD TRUMP DA DEMAGOGIA RADICAL: como um candidato mais improvável se torna a esperança de uma nação? Parte 02

O ano de 2020 certamente será lembrado muito mais pelas tragédias que marcaram como a pandemia do COVID 19 (Novo Corona Vírus), os incêndios que arrasaram a Austrália (afetando enormemente a vida selvagem do país), o medo de uma guerra entre EUA e Irã (devido um ataque aero que matou o general iraniano Qasem Soleimani), crises políticas que têm tornando um desgoverno ainda mais caótico a administração de Jair Bolsonaro no Brasil. E assim poderíamos enumerar outros fatos que lamentavelmente farão 2020 ser um ano que muitos desejariam imensamente esquecer.

Charge: Adnael, Trump- Bolsonaro

E como se não bastasse talvez ainda haja mais de ruim por ainda vir. Principalmente, caso venha a acontecer, a reeleição de Donald Trump, apesar de ele ter se revelado um dos mais decepcionantes políticos da história do país, junto a outros vultos vergonhosos como George W. Bush (que conseguiu igualmente a proeza inacreditável de se reeleger em 2004) e Andrew Johnson (vice de Abraham Lincoln que assume a presidência após seu assassinato). Por mais que como foi dito em nosso artigo anterior que não se discute sua possível ou não nova vitória[1], mas sim sua popularidade a ponto de ter sido eleito em 2016 e ser cotado a disputar uma nova eleição agora em 2020 que ele tem fortes chances de a vencer.

Mesmo não tendo como referência um pai que tenha sido político conhecido igual o foi George W. Bush, nem demonstrando qualquer competência para administrar a um país como os EUA enfrentando grande crise; tendo sido desde já um candidato folclórico que parecia de todo improvável vencer, porém, como já vimos antes, foi justamente o fato de ele apresentar uma imagem de politico diferente que lhe assegurou popularidade.

Para tanto evocando a nostalgia de outros tempos que prometeria resgatar, assim como criando uma divisão entre “nós e os outros” por assim se dizer. Que já vimos que se faz criar um culpado para a crise se vive, se apontando um elemento já hostilizado tradicionalmente por este grupo que se espera cativar. Em suma, se superestima um inimigo gerado dentro de um preconceito maniqueísta há muito existente num coletivo.

Devendo se entender como preconceito qualquer "juízo" preconcebido, manifestado geralmente na forma de uma atitude discriminatória perante pessoas, culturas, lugares ou tradições que sejam considerados diferentes ou "estranhos" por uma “maioria”.

Por sua vez o termo maniqueísta aqui pode se entender tanto em uma avaliação positiva como negativa de outra pessoa feita com base unicamente na sua afiliação ao grupo percebido. Podendo esta construção ser tanto social, racial, sexual ou cultural, ao mesmo tempo em que nunca sendo racionalizado, mas sim emotivo. Ocorrendo que este sentimento de hostilidade ao diferente ganha maiores adesões em tempos de grandes crises. Dada a maior comodidade em delegar a culpa a esse visto como o “estranho”.

Recaindo essa condição aos membros diferentes dentro do grupo, que não foram plenamente absorvidos pela homogeneização forçada (como os judeus na Alemanha nazista e os imigrantes latinos nos EUA). Ou mesmo a um suposto “invasor” disposto a ameaçar seu modo de vida (como a influência ocidental para o fundamentalismo islâmico). Portanto, sem uma visão maniqueísta entre bons (nós) e maus (os outros) o discurso extremista perde muito de seu sentido. Já que a brutalidade que ele justifica idealizar, o faz em torno de uma suposta ameaça desses ditos “malignos”.

Sendo que boa parte do eleitorado de Trump, como já vimos, foi de brancos de classe média, pouco instruídos. Elementos menos aptos para a grande competição da globalização e, em função disso, igualmente tomados de um ressentimento irracional com os imigrantes no país. Vendo a eles como sendo intrusos que estão a lhes “roubar” seus empregos e “inchar” os programas sociais do governo, sustentados pelos impostos que pagam. Logo, o discurso de Trump que enfurece aos que veem com racista e xenófobo, igualmente atraiu a esses que nutrem um preconceito igual, ainda mais aflorado com o estourar da crise.

Semelhante aos britânicos que votaram no Brexit, em especial o fazendo contra os imigrantes e o risco que, em seu entender, eles representam ao sistema de seguridade social. O cidadão comum, especialmente os acima de 60 anos de idade (grande parte da população britânica hoje), votou pensando na defesa de seus direitos.  Nisso a dita espontaneidade, assim entendida em Trump ao se referir sobre os latinos, os imigrantes ou os muçulmanos, ele se mostra, para esses eleitores, como um autêntico alívio poderem ouvir o que eles se limitam a pensar. Ou seja, como já vimos antes, a sua ascensão também é graças à discutível competição entre imigrantes, inclusive latinos, que buscam uma vida melhor[2] e estudunidenses que se entendem por natos e que se sentem ameaçados pela falta de recursos para todos.



Vendo como uma dentre outras soluções, um fechamento da economia a todos assim vistos como intrusos, tal como foi visto no proposto do plebiscito do Brexit no Reino Unido e que políticos conservadores de outros países dizem querer imitar. Sem considerarem com isso consequências devastadoras ao longo prazo, como, por exemplo, dentre várias outras possibilidades, uma fragmentação (lenta e gradual) desta nação extremamente prejudicial, com uma (muito possível, dependendo dos desdobramentos que se sigam) saída da Escócia e Irlanda do Norte, insatisfeitas desde o anúncio da vitória do Brexit.

Nisso, quaisquer semelhanças com Jair Bolsonaro na presidência do Brasil, não é mera coincidência.  Visto que este, apesar de ter sua popularidade em queda, igualmente cogita uma reeleição (muito mais incerta que a de Trump em vista da decepção para com ele que, por ora tem aumentado constantemente), tem justamente como trunfo eleitoral o sentimento conservador de aversão a estes ditos “outros”, “inimigos”. No caso, principalmente o petismo (ainda encabeçado por Luis Inácio Lula da Silva que, inclusive quase conseguiu eleger um candidato de pouca expressão a nível nacional Fernando Hadad, em 2018) em função da ideologia do PT muito se apoiar na causa de elementos combatidos por estes segmentos reacionários da população.

Por mais que seja altamente discutível ao PT uma culpabilidade pelos problemas do país maior que os desmandos promovidos pelo MDB (com Michel Temer e que muito esteve presente no governo Dilma) e pelo PSDB (com as crises econômicas que FHC não conseguiu conter a ponto do próprio empresariado passar a ver com simpatia Lula desbancar a hegemonia de tucana, tendo o apoiado consideravelmente em sua primeira vitória em 2002[3]).  

Em suma, podendo ser dito que fenômenos como Trump e Bolsonaro, mostram um desejo das pessoas por fato mudanças de fato (mas não que lhes criem medo, não ameacem suas zonas de conforto) ao mesmo tempo em que as opções disponíveis aos eleitores em geral não apresentam perspectivas de mudanças. Seja por serem filhos, netos, outros parentescos de políticos a quem sucedem; seja por posturas políticas semelhantes aos que estão ou estiveram no poder; seja pela sua fala que claramente demonstra apenas o desejo pelo poder e não o compromisso de algo fazer ou total despreparo (tanto que se Bolsonaro tivesse disputado com Lula, a eleição poderia ter tido outro resultado[4]). Ocorrendo a vitória de Bolsonaro em boa parte pela ilusão (para muitos, bastante convincente) de não ser um candidato corrupto, muito menos conivente com ela[5].

Tendo assim a vitória destes caricatos candidatos ao topo do poder muito a refletirmos. Primeiro o fato de que apesar das mudanças serem extremamente importantes, é um fato que boa parte das pessoas tem medo dos impactos que elas podem trazer. Independente de o serem ou não compreensíveis esses temores pelo novo. Logo, enquanto houver radicalismo entre os progressistas que defendem grandes mudanças, na mesma proporção se fortalecerão os radicais reacionários. De pouco adiantando se argumentar com estes que o radicalismo conservador pode ser tão nefasto quanto os males que seus defensores justificam no radicalismo de esquerda.

Paralelo a isso, por sua vez, essa ascensão de tais demagogos de discurso inflamado mostra, acima de tudo, o anseio ardente das massas por algo que lhes pareça ser a diferença (mesmo quando não o são realmente), mas acima de tudo uma diferença que julgam não lhes ser perigosa. Tanto que a história mostra que muitos políticos até chegarem aonde chegaram ninguém apostaria em suas ascensões, como foi o caso de Nilo Peçanha, Jânio Quadros e Lula. Exemplos que bem mostram como a política não é um jogo dominado tão só pelos grandes poderosos.  

Pois, nunca é demais enfatizar que as massas querem mudanças, mas as desejam tanto quanto almejam à segurança de uma dada estabilidade. O que pensando bem, se faz uma equação que qualquer um que queira adentrar à política, sem o apadrinhamento das velhas raposas, tem ao alcance. Porém, para isso, precisando realmente convencer aos outros que se faz uma diferença que de fato atenda aos anseios da sua sociedade como um todo. Ausência desta competência que então favorece aos políticos já tradicionais, pois os eleitores se não podem contar com que estes façam algo, ao menos se consolam na previsibilidade dos mesmos que lhes “protege” de surpresas que não querem.

Portanto, de certo modo o fenômeno Trump-Bolsonaro se resume a isso: um anseio desesperado por mudanças, mas não mudanças que assustem à muitos que assim, comumente, temem quaisquer ameaças ao seu comodismo em seu modo de viver e/ou (principalmente) de pensar. Logo, o radicalismo de um lado (seja esquerda ou direita) sempre alimenta ao outro (seja direita ou esquerda) num ciclo só possível de se romper aos que tiverem coragem de o encarar.  



[1] Que, ironicamente, em boa parte por causa da pandemia do Covid 19, como já comentamos anteriormente, a vitória de Trump é cada vez mais incerta, porém, não de todo descartada.

[2] Sendo assim irônico o preconceito de Trump em relação aos imigrantes pobres, considerando que sua mãe, Mary Anne MacLeod (Trump) chegou aos EUA em 1930 justamente como uma imigrante pobre em busca de melhor perspectiva de vida.

[3]Como foi o caso de Sérgio Haberfeld, Eugenio Staub, Lawrence Pih, José P



essoa de Queiroz, dentre outros.

 

[4] Fernando Hadad somente teve experiência num cargo executivo quando prefeito de São Paulo, tendo tido uma administração bastante controversa, além de ter sido perceptível ao longo da campanha que o mesmo “não caminhava com as próprias pernas” sem a orientação de Lula, nisso lembrando à Dilma Roussef que igualmente se elegeu graças a Lula e que, principalmente, em seu segundo mandato enfrentou bastante impopularidade que gerou o ambiente propicio para sua queda, tendo seu sucessor Michel Temer igualmente concluído um governo altamente decepcionante e controverso e não sendo derrubado apesar disso, tal aconteceu a Dilma (assunto que merece até uma discussão futura).

 

[5] Tão forte esta falácia que ofuscou ao fato de que Bolsonaro ao longo de toda a sua carreira teve uma passagem política completamente medíocre, sem nenhuma ação relevante.


SOBRE O AUTOR:

LUIS MARCELO SANTOS é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...