Llano del Rio: uma colônia socialista na Califórnia

 



Job Harriman (1861-1925) tem uma interessante carreira política. Nascido em Clinton, Indiana, viveu a infância numa fazenda. Seus pais eram muitos religiosos e influenciaram o jovem Job a seguir carreira em um ministério religioso. Porém, por volta de 1880 ele conheceu as ideias de Marx e se aproximou de uma espécie de socialismo cristão. Em 1886, após se formar em direito, Job Harriman se mudou para São Francisco, Califórnia. A partir daí, participou da construção de dois partidos políticos, o Partido Socialista Trabalhista (SLP) e Partido Social-Democrata da América (SDP), e de um “Clube Nacionalista” - entidades socialistas divulgadoras das ideias do socialista utópico Edward Bellamy (1850-1898). Em 1898, Job concorreu ao governo da Califórnia; em 1900 concorreu a vice-presidente ao lado do famoso socialista Eugene Debs. No ano de 1911, Jobs concorreu a prefeitura de Los Angeles, uma cidade que estava em pleno crescimento e expansão urbana. 




Los Angeles, 1911

A chamada “marcha para o Oeste” foi um momento chave na história dos Estados Unidos, talvez mais até que a guerra civil (1861-1865). Ao longo de todo século XIX, milhões de estadunidenses se dirigiram para o “oeste selvagem” para colonizá-lo. À medida que os colonos estadunidenses ocupavam o oeste, milhares de indígenas, nativos das regiões, eram mortos em intermináveis guerras. A descoberta de ouro na Califórnia, logo após ela ser ocupada pelos Estados Unidos, no fim da guerra contra o México, em 1849, despertou o desejo de muitos pobres da costa leste, ou dos já estabelecidos nos estados do Meio-Oeste dos EUA, em migrar para a Califórnia para enriquecer. No final do século XIX, houve a descoberta de petróleo (o "ouro negro"), na região de Los Angeles. A Califórnia crescia também por causa do cada vez mais intenso comércio no Pacífico; os interesses estadunidenses no Japão e na China cresciam.

Essa Los Angeles das primeiras décadas do século XX testemunhou uma eleição bastante polarizada em 1911. De um lado estava George Alexander, do Partido Democrata, um veterano da guerra civil; de outro Job Harriman, pelo Partido Social-Democrata.

As eleições de 1911 ocorreram num momento de grande ebulição social. Trabalhadores da indústria do ferro e do aço, alguns ligados a poderosa U.S. Steel Co., estavam se organizando em toda Califórnia. Um ano antes das eleições, em 1910, houve um atentado a sede do jornal conservador Los Angeles Times, cujo editor era o capitão Harrison Gray Otis (1837-1917). Os responsáveis foram os irmãos John e James McNamara, trabalhadores sindicalizados. A prisão e o julgamento dos irmãos se tornou um grande evento para a causa trabalhista. Um dos advogados deles foi Job Harriman; seus adversários políticos obviamente usaram isso contra ele nas eleições de 1911. Por fim, a vitória foi de George Alexander.


A instalação de Llano del Rio

Mesmo com a derrota nas eleições de 1911, Job Harriman estava decidido a provar que a prática socialista era eficaz. Ele queria provar que o socialismo podia brotar do meio capitalismo e derrubá-lo. Ele dizia: "Tornou-se claro para mim que as pessoas nunca abandonariam seus meios de subsistência, bons ou maus, capitalistas ou outros, até que outros métodos fossem desenvolvidos e pudessem oferecer vantagens pelo menos tão boas quanto as de que dispunham". Desta forma decidiu reunir um grupo de amigos e apoiadores e eles compraram títulos de propriedade de uma antiga companhia de colonização. Assim surgiu a Llano del Rio Company, em 1914, com o objetivo de ocupar uma área ao norte da cidade de Los Angeles, na região do Vale do Antílope.

Cerca de 150 pessoas chegaram na área de ocupação. Logo foram construídas estruturas de pedra para alojamentos, oficinas para o trabalho e escolas. A principal organizadora da urbanização de Llano del Rio foi Alice Constance Austin (1862-1955), arquiteta e feminista radical. Em poucos anos, mais pessoas foram atraídas pelo tipo de vida em comunidade que Llano del Rio oferecia; alguns, sempre há, acabaram se decepcionando ao experimentar a vida na comunidade – não é para menos, afinal já se nasce numa sociedade estabelecida com ideologias que mantém padrões de vida e consumo, as vezes difíceis de desconstruir. Em 1917 já havia mais de 1 mil pessoas na colônia socialista.

A economia de Llano del Rio era voltada para a subsistência. As decisões políticas eram tomadas em conjunto, inclusive com a participação de mulheres (algo incomum na época). A educação das crianças também foi pensada em moldes socialistas, a grande referência era a médica e pedagoga italiana Maria Montessori. Havia até um jornal local, o Western Comrade (Camarada Ocidental).







Por que acabou?

Com todos esses pontos positivos, é de se perguntar, porque a experiência de Llano del Rio acabou?

As causas, como sempre são variadas. A primeira delas é de ordem política. Com o tempo, algumas disputas internas sobre os órgãos deliberativos da colônia (a Assembleia Geral e o Conselho de Administração) surgiram. Talvez a própria forma com que a Llano del Rio foi tratada já mostrasse contradições inerentes, afinal, era uma sociedade em que algumas pessoas detinham os “títulos de posse” - como sustentar isso numa sociedade que se supunha socialista?

Outro fator que contribuiu para o fim de Llano del Rio foi a falta de uma rede de outras comunidades semelhantes que pudessem estabelecer relações. Uma sociedade pequena, com disputas internas, é mais frágil do que várias sociedades relativamente semelhantes em princípios.



New Llano

Em 1918, um grupo de cerca de 200 habitantes de Llano del Rio, inclusive Job Harriman, se mudaram para uma localidade perto de Leesville, Louisiana. Lá eles estabeleceram o New Lllano, uma nova colônia aos moldes de sua “irmã” californiana. Deu resultado e a localidade cresceu e desenvolveu algumas fábricas e escolas. Isso até 1937 quando a colônia foi fechada, mas a cidade conta, hoje, com mais de 2 mil habitantes.


Referências

DAVIS, Mike. Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Boitempo, 2009.

WEST, James. Uma breve história dos Estados Unidos. Porto Alegre: L&PM, 2016.

https://www.atlasobscura.com/places/ruins-at-llano-del-rio



Sobre o autor:



Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

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