A GUERRILHA DO CAPARAÓ E MITOS SOBRE A FIGURA DE BRIZOLA

Leonel Brizola defendia uma solução nativa, teoricamente original para os problemas brasileiros. Era o socialismo moreno, que buscava uma justiça social, com amplas liberdades democráticas. Propugnava o trabalhismo, enquanto uma teoria nacionalista, inspirada na doutrina social cristã, defendendo a propriedade capitalista distribuída e com um fim social, além de propor a dignificação do trabalho, chegando a afirmar que se deveria combater o comunismo, por meio da resolução dos problemas sociais brasileiros.  Obteve projeção nacional com a Campanha da Legalidade, quando com apoio da Brigada Militar liderou uma resistência de massas a um golpe de estado. Mas esse mito sobre a figura de Brizola esconde a pressão dos trabalhadores organizados, que possibilitou essa resistência, falsamente atribuída a liderança do caudilho gaúcho. Vejamos o que afirmou Marcos André Jakoby, referente a mobilização popular que ocorria enquanto Brizola ainda se informava sobre os mais recentes acontecimentos: 

Todavia, a direção regional do Partido Comunista reuniu-se no meio da tarde para discutir a situação e igualmente planejar sua ação. Assim, “concluída a reunião, a direção do Partido decidiu organizar uma manifestação e chamar uma greve geral para o dia seguinte (SANTOS, 2002:173)” Já no final desta tarde sob a direção do Comando Sindical de Porto Alegre realizou “uma manifestação com mais de 5 mil trabalhadores e estudantes no Largo da Prefeitura de Porto Alegre. Depois de selar o compromisso de, doravante, se constituir uma ‘unidade operária e estudantil’, os manifestantes rumaram para o Palácio Piratini” (SANTOS, 2002:173) onde a manifestação exigia a posse do vice-presidente. Foi diante desta manifestação que Brizola declarou sua disposição em resistir em defesa da legalidade constitucional. (JAKOBY, 2013, pág. 2-3)

Somente após atos de rua e mobilização sindical, que Brizola resistiu à deposição do então presidente Jango. A partir dessa projeção adquirida devido suas falas via rádio da Legalidade, com o êxito posterior do golpe, manteve-se com postura de um líder nacional, com discursos fortes contra a ditadura. A imagem que ficou foi da covardia de João Goulart e da coragem de Leonel Brizola, como se ele de fato quisesse fazer uma luta armada para reagir ao regime de primeiro de abril. Tentava se mostrar como o principal expoente de uma esquerda nacionalista, e mesmo auto exilado no Uruguai, foi procurado por um ex sargento para que apoiasse um foco guerrilheiro no Brasil, o que resultou na criação do Movimento Nacionalista Revolucionário.

Antes disso, aconteceu a primeira guerrilha que enfrentou a ditadura de primeiro de abril: a de Três Passos, organizada e realizada pelo Movimento 26 de Março, também conhecido como M-26. O principal líder dessa guerrilha que atingiu os três estados do sul, foi o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, ex filiado na década de 1930 à Aliança Nacional Libertadora e muito ligado ao Partido Comunista Brasileiro.  Conforme nos informa o artigo “A trajetória política de Jefferson Cardim de Alencar Osório: Brasil-Uruguai (1960-1970):Observa-se que Jefferson Cardim manteve ligações políticas com o PCB, apesar de não ter se filiado oficialmente ao partido”, servindo como mais uma fonte a confirmar a relação política referida. Segundo o verbete biográfico sobre esse personagem da História do Brasil publicado no site da Fundação Getúlio Vargas, o coronel afirmou para ao Coojornal em 1978 algumas informações sobre a relação entre Brizola e a guerrilha de Três Passos:

Nela [Jefferson Cardim] declarou que havia ligação entre os exilados brasileiros no Uruguai e em Cuba, e que Leonel Brizola teria recebido dinheiro daquele país para financiar a guerrilha. Esse dinheiro, todavia, não chegara a tempo de ser aplicado na chamada Operação Três Passos, nome pelo qual se tornou conhecido o movimento que liderara. Responsabilizou também o ex-governador do Rio Grande do Sul pelo fracasso do movimento, na medida em que não garantira a infra-estrutura e o apoio que lhe prometera. 

O que o desfecho da Guerrilha de Três Passos nos mostra, é que a bravura de Brizola, na prática era somente aparência. E a Guerrilha de Caparaó, teve o mesmo destino mostrando o mesmo aspecto que desmente o mito sobre a figura do caudilho gaúcho, mais uma vez teve boicote por parte do ex governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. A preparação para esse movimento, aconteceu somente depois que o ex sargento Amadeu Felipe da Luz Ferreira, catarinense e militante do PCB, recém expulso do Exército após o golpe, cruzou a fronteira e sugeriu a Brizola a formação de uma guerrilha rural. Brizola de pronto discordava da ideia, mas aceitou fazer um acordo: o grupo de Amadeu apoiaria um levante brizolista em Porto Alegre, em troca Brizola ajudaria na criação do foco guerrilheiro rural, com financiamento e treinamento por meio de seus contatos com o governo revolucionário cubano.

O próximo passo foi a criação do Movimento Nacionalista Revolucionário, formado por militares, intelectuais e militantes políticos, a contragosto de Brizola que preferia uma sigla que pudesse chamar de “MoReNa”. O segundo passo aconteceu rapidamente, quando Amadeu, o também ex sargento Araken Vaz Galvão e o ex subtenente Jelly Rodrigues Correia arregimentaram cerca de 47 ex sargentos no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os espalhando em diversos “aparelhos” por Porto Alegre. A tentativa falhou. O terceiro passo foi uma segunda tentativa de levante em Porto Alegre que também deu errado. Teve delação por um dos militantes do MNR, que entregou nomes de companheiros como Amadeu Felipe e Avilar. O exército fechou a capital gaúcha, mas Amadeu Felipe conseguiu fugir. Após esse fracasso, Manoel Raymundo Soares foi preso e morto sob tortura, foi o famoso “caso das mãos amarradas”, que aumentou a convicção dos militantes do MNR em enfrentar com armas a ditadura.

 

A prisão de Amadeu Felipe da Luz Ferreira, um dos guerrilheiros participantes da Guerrilha do Caparaó

 Momento da prisão do Amadeu Felipe da Luz Ferreira

 

Somente após essas duas tentativas fracassarem em Porto Alegre, que Brizola apoiou a teoria do foco guerrilheiro. O Movimento planejava criar três focos rurais (em Goiás- liderada pelo ex marinheiro José Duarte-, Mato Grosso – sob o comando do ex fuzileiro naval Marco Antônio da Silva Lima- e Serra do Caparaó- liderado por Amadeu Felipe) apoiados por respectivos núcleos urbanos, sendo o apoio do foco de Caparaó localizado no Rio de Janeiro, sob responsabilidade do professor Bayard de Maria Boiteux. A localização em Caparaó era estratégica, pois ficava no limite entre Espírito Santo e Minas Gerais, muito próximo ao RJ.

Mesmo que Brizola tenha sido procurado por Amadeu, que propunha a criação de um foco guerrilheiro na Serra do Caparaó, o quarto passo foi a tentativa de criação de uma guerrilha rural em Criciúma, em Santa Catarina. Lá um ex subtenente do MNR comprou uma propriedade, onde funcionaria como “aparelho” para preparação do foco. Mas os guerrilheiros foram presos, confundidos com ladrões de banco. Não deu tempo de se estruturar.

 

Local do foco guerrilheiro

 

Então, como não havia outras possibilidades, Brizola apoiou a criação da guerrilha rural na Serra do Caparaó, sob comando de Amadeu Felipe. Segundo o documentário “Caparaó” (2006), o comando geral do Uruguai fez cinco ações que ajudaram a impossibilitar o sucesso da guerrilha: enviou um militante fiscalizar o foco em segredo, que estimulou a desunião dos combatentes; mandava o dinheiro a conta gotas, contribuindo com a fome dos guerrilheiros; orientava que não fizessem ações práticas guerrilheiras, o que resultou em diversas desistências; enviou reforço somente depois das prisões dos guerrilheiros ainda presentes na Serra do Caparaó; e dos 26 militantes do MNR que foram treinados em, Cuba, apenas 5 deles foram integrados à Guerrilha de Caparaó, demonstrando desprezo total por essa iniciativa. Mais uma vez o caudilho gaúcho combatia tentativas de guerrilha contra o governo ditatorial.

O fracasso da Guerrilha de Caparaó teve diversas outras razões, uma das principais foi ausência de trabalho político na região antes da criação do foco. Outra motivação para a derrota dos guerrilheiros, foi o anti comunismo ensinado pelos militares governistas para os moradores da região, através de muito assistencialismo, como distribuição de remédios e  alimentos, bem como atendimentos médicos e odontológicos gratuitos. Esses dois fatores somados foram decisivos para os moradores dos arredores denunciarem os guerrilheiros para a Polícia Militar de MG. Mesmo com o resultado tão negativo, essa experiência frustrada foi o treinamento para vários guerrilheiros, que continuaram a luta política de diversas formas, incluindo a luta armada de novo, contra a ditadura empresarial militar de primeiro de abril. E esse insucesso decepcionou os cubanos quanto ao Brizola, com quem os revolucionários colocaram fim às relações.

A História da Guerrilha do Caparaó desmonta dois mitos sobre a figura do caudilho gaúcho Leonel Brizola: ele não era um radical que defendia resistência armada diante do golpe, na verdade se opondo à ela; e Jacob Gorender se enganou no seu livro “Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada” quando defendeu que as Guerrilhas de Três Passos, como a do Caparaó, eram realizadas por adeptos de Brizola no Brasil, ou que seriam ambas filiadas ao “nacionalismo pequeno-burguês brizolista” (GORENDER, 1987, pág. 123). Vimos que nas duas haviam lideranças comunistas, entre as mais destacadas, e que nas duas tentativas de guerrilha houve um apoio bastante limitado e questionável por Brizola. A Guerrilha do Caparaó foi muito mais que uma peripécia de nacionalismo pequeno- burguês, portanto.

 

                                                               
 

 

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Dinoráh Lopes Rubim. A guerrilha esquecida: memórias do Caparaó (1966-67), o primeiro foco guerrilheiro contra a Ditadura Militar no Brasil. Vitória: 2014. Dissertação.

CAPARAÓ. Direção e roteiro: Flavio Frederico. Direção de produção : Priscila Torres. São Paulo: Kinoscópio, 2006, DVD, 77 min.

GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. 2° ed.São Paulo: Ática, 1987.

GUIMARÃES, Plínio Ferreira. Quando o comunismo bate à porta: a guerrilha de Caparaó e o medo desenvolvido pela população local em relação aos guerrilheiros.

MELO, Fábio.  Guerrilha de Três Passos: a primeira resistência armada ao golpe de 1964.

TRINDADE, Bruno Marinho. DIAS, Cristiane Medianeira Ávila. A trajetória política de Jefferson Cardim de Alencar Osório. Brasil- Uruguai (1960-1970).

FGV. Verbete biográfico. Osório, Jefferson Cardim de Alencar.

 

Sobre o autor:

Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Colunista no Jornal de Opinião (do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alvorada- SIMA) e no Jornal de Viamão.

 


                        

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