Livro: A sociedade ingovernável: uma genealogia do liberalismo autoritário.
Autor: Grégoire Chamayou
Editora: Ubu
Ano: 2020
O neoliberalismo surgiu como uma reação ao Estado de bem-estar social keynesiano. E para emergir, os ideólogos dessa “nova fé” neoliberal criaram uma série de conceitos, narrativas e tecnologias políticas. O conceito chave para entender a criação ideológica/narrativa do neoliberalismo é o de “sociedade ingovernável”. Essa ideia neoliberal significa que a “liberdade” estaria em perigo com os governos cada vez mais “reguladores”, cada vez mais “democráticos” e cada vez mais “sociais”. Para salvar a “liberdade”, os neoliberais não descartam um governo forte e autoritário. Segundo os neoliberais, a “liberdade econômica” é mais importante do que a democracia social. Por isso não é tão estranho que ao longo do tempo, vários ideólogos liberais e neoliberais flertem ou apoiem regimes autoritários, do fascismo e nazismo dos anos 1920-1930 a ditadura de Pinochet no Chile na década de 1970-1980.
No livro “A sociedade ingovernável: uma genealogia do liberalismo autoritário”, o filósofo Grégoire Chamayou busca as raízes do neoliberalismo, que é uma ofensiva política conservadora. Grupos de empresários nos Estados Unidos, nas décadas de 1960-1970, se sentiam “acuados” dentro do capitalismo kaynesiano (Estado de bem-estar social). A estabilidade no emprego, a força dos sindicatos e movimentos sociais como o ambientalismo, estariam “intimidando” grupos empresariais. Para acabar com qualquer tipo de responsabilidade social e ambiental, esses empresários definiram uma agenda política que teria impactos primeiro em suas empresas (com uma revolução gerencial tecnocrática e autoritária) e depois em toda sociedade, com os governos neoliberais. Chamayou mostra os detalhes dessa conversão neoconservadora e como foi possível ela se apoderar da política, nos Estados Unidos e no mundo.
A leitura exige atenção. É um guia para entendermos e desmascararmos as sandices neoliberais. O neoliberalismo é autoritário e antidemocrático por natureza.
Trechos do livro:
“[…] No início dos anos 1970 criam-se novos think tanks para ‘desenvolver a agenda política conservadora’ nos Estados Unidos, mas também em escala internacional, com a criação do Fórum Econômico Mundial de Davos em 1971 […]” (p. 138-139).
“Numa sociedade desigual, confiar ao mercado a tarefa de redistribuir direitos ambientais alienáveis resulta, necessariamente, em deixar os mais ricos transferirem os custos sociais para os mais pobres” (p. 285).
“Quando encontra Pinochet em março de 1975, [Milton] Friedman lhe fala […] de política econômica e de ‘terapia de choque’. Chegada a vez de [Friedrich] Hayek ser recebido pelo ditador, em novembro de 1977, ele conversa sobre outro assunto, a espinhosa questão da ‘democracia limitada e do governo representativo’. ‘O chefe de Estado […] escutou atentamente e lhe pediu que fornecesse os documentos que ele redigira sobre a questão’. De volta à Europa, Heyek lhe envia, […], um ‘modelo de constituição’, um texto que justifica sobretudo o estado de exceção, e escreve ao The Times de Londres defendendo o regime contra calúnias: ‘Não encontrei ninguém neste Chile tão vilipendiado que não concordasse em afirmar que a liberdade pessoal é muito maior sob Pinochet do que era sob Allende’. Claro: qualquer um que ousasse sustentar publicamente o contrário desapareceria na primeira oportunidade” (p. 326-327).
“Em 23 de novembro de 1932, no limiar da ascensão de Hitler ao poder, Carl Schmitt fez uma conferência a convite de uma organização patronal, a Langname Verein. Segundo Jean-Pierre Faye, para quem o evento foi decisivo, o discurso de Schmitt desempenhou um papel determinante para aliar o patronato alemão à opção nazista. Seu título anunciava o programa: ‘Estado forte e economia saudável’ (p. 338).
“[…] Em plena Segunda Guerra Mundial, Hayek e seus colegas não acharam nada melhor para fazer dos que criticar os excessos da democracia e apelar para o rompimento com o Estado de bem-estar. Mas eles perderam. Para desgraça deles, o pós-guerra será keynesiano. E eles se limitarão a pregar no deserto, ou quase, durante três longas décadas” (p. 346).
“A política neoliberal – na medida em que pratica a desregulamentação, sobre tudo do direito trabalhista; ao reforçar o poder do empregador na relação contratual; ao precarizar e comprometer a segurança dos trabalhadores; ao enfraquecer sua correlação de forças; […]; ao aprofundar as desigualdades, exacerbando ainda mais as oportunidades de subjugação de todas as ordens – implica um endurecimento dos autoritarismos privados. É nesse sentido também que o liberalismo econômico é autoritário, no sentido social, e não somente do Estado” (p. 392).
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