América central: da união a divisão (1821-1865)

A região que hoje constitui a América Central foi nos tempos coloniais um apêndice do vice-reino da Nova Espanha (México). No início do século XIX, a região se chamava Capitânia da Guatemala. O seu capitão-geral era subordinado diretamente ao vice-rei do México. Quando este se tornou independente, em 1821, os criollos da América Central aproveitaram o momento para proclamarem a independência de sua região.

Desde o início do período colonial, o istmo centro-americano não organizou sua economia diretamente para o sistema colonial: na região não havia minas, e a única cultura realmente importante para exportação era a da Indigofera, planta da qual se extrai o corante anil, em El Salvador. A densidade de indígenas na região era grande e eles resistiam as investidas dos criollos em suas terras comunais. Quando capturados eram forçados a trabalhar nas fazendas de trigo, milho, batatas ou nas criações de gado.

A presença inglesa na América Central acabou influenciando os rumos políticos da região. Por exemplo, em 1740, os ingleses fizeram um acordo com o chefe do povo miskito na costa da atual Nicarágua, tornando-o “rei dos miskitos” e fazendo do seu território um protetorado da Inglaterra – esta questão só seria resolvida no final do século XIX durante o mandato do presidente nicaraguense José Santos Zelaya.


A independência da Guatemala, semelhante a mexicana, foi uma tentativa de “conciliação conservadora”, sendo que desde 1811 alguns movimentos radicais, liderados por intelectuais influenciados pelo iluminismo e pelo liberalismo, além de militares, clérigos e mestiços, colocavam em risco as propriedades dos grandes fazendeiros e tinham caráter abertamente anticlerical. Uma das principais figuras que mobilizou criollos para a independência foi a guatemalteca Maria Dolores Bedoya (1783-1853).


Maria Dolores Bedoya (1783-1853).


Logo que a independência foi proclamada, em 1821, os conservadores trataram de unir a região ao efêmero império de Iturbude, o governante mexicano; inclusive mantendo o capitão-geral, Gabino Gainza (1753-1829) como chefe do governo. Porém, os liberais não aceitavam que o país se libertasse da Espanha e se curvasse ao México. Com a queda de Iturbide no México, houve confrontos entre liberais e conservadores em várias localidades, como El Salvador, Honduras e Nicarágua. Os liberais acabaram ganhando e convocaram uma assembleia de criollos que declarou a independência em relação ao México, em 1823. No entanto, em cada região os criollos liberais tinham interesses diversos: na Costa Rica, eles queriam ser incorporados a Grã-Colômbia; em El Salvador, desejavam uma anexação aos Estados Unidos. A solução para tais impasses foi a criação das Províncias Unidas da América Central, ou Estados Unidos da América Central, em 1825, sob a presidência do salvadorenho Manuel José Arce (1787-1847). A capital era a Cidade da Guatemala – a mais populosa da região e que tinha sua importância desde os tempos em que era capital da Capitânia Geral.



Mapa das Províncias Unidas da América Central


Arce era um liberal, mas sofreu grande influência dos conservadores, que eram a maioria na Guatemala. Arce tentou pôr em prática um projeto centralista autoritário, entrando em choque com o governador liberal de Honduras, Dionisio Herrera (1781-1850). A oposição dos liberais contra o presidente que ajudaram a eleger se transformou em guerra civil. Herrera foi preso pelas tropas de Arce. Os liberais pegaram em armas contra o presidente em El Salvador e Guatemala. A guerra civil durou até 1829, quando o caudilho hondurenho Francisco Morazán (1792-1842) derrubou Arce; tornando-se presidente.

Morazán era um rico criollo de família tradicional. Educado na tradição liberal, logo que chegou a presidência realizou um amplo programa de incentivo à educação, liberdade de imprensa e de religião. Morazán efetuou a separação entre Estado e Igreja, tradicional aliada dos conservadores; as ordens religiosas foram banidas. Algumas medidas liberais aplicadas pelo governo de Morazán, foram um tanto quanto controversas. Os liberais buscavam uma integração ao mercado internacional, e a introdução da cultura do café propiciava esta integração. Mas em contra partida afetava as populações indígenas que eram arrancadas de suas terras ou obrigadas a trabalhos forçados.


Francisco Morazán (1792-1842)


A insatisfação indígena encontrou um líder no mestiço analfabeto Rafael Carrera (1814-1865), da Guatemala. E os conservadores encontraram em Carrera uma figura ideal para terminar com o regime liberal de Morazán.

Uma revolta indígena sob a liderança de Carrera iniciou em 1837. O exército de indígenas com armas em punho marchou para a Cidade da Guatemala na tentativa de derrubar Morazán. Este, no entanto, vence os revoltosos, mas Carrera declara a independência da Guatemala, o que começa a causar a instabilidade da Confederação centro-americana, que em 1839 se esfacela em 5 países: Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Todos são dominados por políticos conservadores; que se mantém no poder até a segunda metade do século XIX.

Rafael Carrera (1814-1865), indígena e conservador.

Rafael Carrera dominou o cenário político da Guatemala, com todo apoio dos conservadores se tornou o presidente vitalício do país. Governou até sua morte, em 1865.


Referências:

BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a 1870. São Paulo: EDUSP, 2001.

DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina. São Paulo: Círculo do Livro, sem data.

DOZER, Donald M. América Latina: uma perspectiva histórica. Porto Alegre: Globo, 1974.

POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.

ZANATTA, Loris. Uma breve história da América Latina. São Paulo: Cultrix, 2017.



Sobre o autor:

 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

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