BORIS FAUSTO (1930-2023): UMA DAS NOSSAS REFERÊNCIAS


Concordamos com o historiador Boris Fausto, em entrevista concedida para a Fundação Getúlio Vargas, quando ele afirmou: “O sistema escravista acabou, mas as marcas da escravidão chegaram até hoje". Também concordamos com o historiador paulista quando ele afirmava que “as elites não são exemplos”, e que a ditadura de primeiro de abril de 1964 foi importante  realmente para "liberar e justificar a violência policial", tema tão atual, tratado em entrevista para o programa Roda Viva de 24/08/2015.

Entendemos que, mais que méritos, a  trajetória na historiografia de Boris Fausto tem a marca de suas limitações: por vezes com pouco tempo para pesquisar, resultando em poucas teorizações; além de, por estas mesmas razões profissionais, o objeto de pesquisa ter sido geralmente em volta de São Paulo. Notamos também ausência de criações de novas categorias de análise para a História brasileira. O que não nos impede de destacarmos que Bóris Fausto foi um pioneiro em trazer a ciência histórica para mais próximo do nosso tempo. Ele ajudou a tirar o predomínio das ciências sociais nos estudos de nossa época republicana, quando houve quem dizia que História é colônia, monarquia e império, a república não seria para historiadores, por ser um campo da política. Portanto, fora do domínio da ciência da História. Antes de Boris Fausto, se dizia que havia a necessidade de distanciamento cronológico para a escrita científica da História. 

Nascido em 1930, mesmo ano da revolução que, anos mais tarde, iria ser foco de um de seus mais importantes livros, Boris Fausto é filho de imigrantes judeus. Depois de se interessar pela História por influência do seu avô, e ler livros de Nelson Werneck Sodré, Boris Fausto ingressa na faculdade de Direito de São Paulo em 1953, formando-se bacharel na área. Apesar de sua formação, seu interesse pela História sempre falou mais alto. Inclusive colocando-o em situação curiosa pois, como consultor jurídico da USP, tinha dificuldade em pedir licença para pesquisar temas de História. Em 1969 publica o livro “Revolução de 1930” pela editora de Caio Prado Júnior, e em razão desse livro ele foi um dia chamado de metralhadora giratória contra as concepções sodreanas, já que nesta obra Boris Fausto visava combater as ideias do PCB. 

Nos referimos ao primeiro livro faustiano, chamado “A Revolução de 30”, que veio para ampliar os debates sobre a História do Brasil. E de fato, em alguns elementos, Boris Fausto foi mais adiante que Nelson Werneck Sodré e vários outros historiadores até então, ao publicar uma obra sobre o movimento operário brasileiro, enquanto Sodré destacava bastante a burguesia nacional.

Mas os méritos e limites de Boris Fausto não estiveram somente na historiografia. Ao longo de décadas, Boris Fausto sempre se posicionou políticamente. Iniciou sua militância no antigo Partido Socialista Brasileiro (que não é o atual PSB), onde teve contato com núcleos trotskistas, migrando, por um breve tempo, para o Partido Operário Revolucionário. Segundo Fausto, o partido em questão “não tinha operário, mas tinha revolucionário em palavras”.



Apesar desse início de militância radical, ao longo de sua vida, Boris Fausto migrou lentamente para um tipo de liberalismo, e se tornou um intelectual orgânico ligado ao Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) do FHC, Mário Covas e Aécio Neves. Apesar do apoio aos tucanos, Boris Fausto fazia suas críticas quando questionado, e se inclinou a apoiar Marina Silva como uma esperada “terceira via”.¹

Precisamos, portanto, estudar toda a contribuição historiográfica de Boris Fausto: a exemplo da história comparada do Brasil e Argentina, e escritos sobre imigração, trabalho, conflito social, crime, cotidiano, autoritarismo, poder e sorriso, refeição e infância.

Uma de suas mais notáveis obras “História do Brasil” é, até hoje uma grande referência para professores e estudantes. Essa obra, que já recebeu várias edições, tem muitas qualidades, mas a principal delas é apresentar nossa história em linguagem simples, didática, mas nem por isso menos rigorosa em suas análises- ainda que raras. 

Nos últimos anos, Boris Fausto não se furtou de analisar o cenário político conturbado do Brasil: "O momento histórico pede a união nacional contra o bolsonarismo, a formação de uma frente democrática. Mas vaidades pessoais, infelizmente, as impedirão. Não vejo hoje a figura de um tertius, que consiga amalgamar todos os setores democráticos. Eu não sou petista, mas o nome que surge hoje, realisticamente, é o do Lula. O PT se manchou eticamente, mas de modo algum concordo com o maniqueísmo fácil que iguala o lulismo ao bolsonarismo. A equiparação é equivocada."² Boris Fausto estava mais uma vez correto.

Defendemos que apenas por ter buscado fazer uma História dos trabalhadores do Brasil, uma lacuna entre nós até hoje, já basta para termos Boris Fausto como uma das nossas referências nos estudos do GEACB! A História Popular do Brasil tem como um de seus atores, o historiador Boris Fausto.


Notas: 

https://infograficos.estadao.com.br/focas/politico-em-construcao/materia/eleicoes-2018-nao-podemos-ter-expectativa-nem-pela-presidencia-nem-pelo-congresso-afirma-boris-fausto

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/04/em-ultima-entrevista-ao-globo-boris-fausto-falou-sobre-psdb-bolsonarismo-e-lula-leia.ghtml


Referências:

Entrevista. Boris Fausto: A História por puro prazer. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/boris-fausto-a-historia-por-puro-prazer/. Visualizado em: 13 / 02 / 2024.

OLIVEIRA, Fabiane Costa. Boris Fausto e a crítica à petrspectiva dualista. Disponível em: https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1488939481_ARQUIVO_FABIANECOSTAOLIVEIRA.BORISFAUSTOHISTORIADAREPUBLICAEACRITICAAPERSPECTIVADUALISTA.pdf. Visualizado em 13 / 02 / 2024.



Sobre os autores:
 
 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

 
Rafael Freitas: Membro fundador e permanente do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata, coletivo de professores voltado para a produção de conhecimento e socialização da História das Américas. Educador Popular, com histórico de fundação e coordenação de cursinhos comunitários, preparatórios para vestibulares e ENEM. Coordenador das bibliotecas populares Luis Carlos Solim e Alceu Barra. Participação com artigos e produção de fontes primárias de pesquisa utilizando a metodologia de História Oral em livros sobre História de Alvorada, Viamão e Gravataí, bem como no livro “Alvorada tradicionalista”. Graduado em licenciatura plena em História na FAPA (Faculdades Porto-Alegrenses), desde 2014. Professor de História da Rede de Ensino Mauá. Colunista do site de notícias Seu Expediente (seuexpediente.com.br) e do jornal O Alvoradense (oalvoradense.com.br).





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