O MITO DO DESENVOLVIMENTO ou fábula liberal para tolos acreditarem que o capitalismo é a solução para os males do capitalismo.

 

Ao longo da história recente, teóricos liberais sempre tentam adequar o mundo às suas ideias absurdas, por vezes anedóticas. É como aquela alegoria de um macaquinho de laboratório que tenta encaixar uma peça quadrada em um buraco redondo. É esta a sensação que se tem ao ler o livro “A jornada da humanidade: as origens da riqueza e das desigualdades”, do economista israelense-americano Oded Galor. Ao longo de mais de 280 páginas, o autor expõe sua “Teoria Unificada do Crescimento Econômico” na tentativa de explicar porque umas sociedades saem da “armadilha malthusiana” para o crescimento sem limites. Cultura, população, política e condições geográficas são apontadas pelo autor como determinantes, ou condicionantes, para que alguns povos e sociedades cresçam enquanto outros permanecem estagnados.

Vejamos a imagem abaixo. Ela representa o continente americano a noite. A tendência ao ver esta imagem é definir os pontos com maior luminosidade como os mais desenvolvidos. Note que o território dos Estados Unidos é quase todo coberto de luz elétrica.



Galor ilustra esse exemplo com um mapa das Coreias do norte e sul, onde, por obvio, a parte do sul é mais iluminada. Mas o princípio é o mesmo.

Voltando ao mapa das Américas. Imagine se a parte que corresponde a Amazônia fosse toda iluminada, “desenvolvida”. O impacto ambiental de uma floresta amazônica devastada para no lugar construir cidades seria desastroso para a humanidade!

Podemos ainda ampliar a questão. Se considerarmos que os pontos menos luminosos representam atividades agrícolas, pecuárias e extrativistas, e que essas atividades em boa parte mantém padrões de vida em outros lugares; logo, se houvessem mais pontos luminosos no mundo, menor seriam disponíveis os produtos de origem agropecuário ou extrativistas. Pensem num mundo totalmente iluminado a noite. De onde viriam os alimentos? Em qual território plantar arroz, feijão, soja? Onde criar gado, que necessitam de grandes pastos para viver? E mais, recursos naturais, reservas ambientais e demais espaços naturais nem ao menos existiriam – será que é possível vida nesse cenário? (que talvez não esteja muito longe).

Oded Galor que é, claro, premiado internacionalmente pelas instituições que defende, não vê o obvio: países se desenvolvem às custas do subdesenvolvimento de outros! É a já muito conhecida Divisão Internacional do Trabalho, que define o capitalismo globalizado que temos atualmente.  




Outro ponto destacado no livro é o papel de instituições democráticas. Segundo Galor, as instituições democráticas têm um peso determinante na construção de sociedades mais ricas. Tudo bem a defesa de instituições democráticas e a participação popular nas decisões políticas e econômicas, mas uma coisa não altera a outra. Não é porque países têm instituições democráticas que automaticamente eles sejam mais ricos, prósperos ou igualitários. A Libéria tem uma constituição democrática, que assegura direitos, porém tem seu IDH menor que da própria Coreia do Norte – usada pelo autor como exemplo de falta de democracia.

O Reino Unido, berço da Revolução Industrial, que iniciou o processo de crescimento de desenvolvimento tecnológico e social abordado no livro, é apontada como um “modelo”. Segundo o autor, foram “engrenagens” que remetem a milhares que anos que possibilitaram a Inglaterra se desenvolver e ser o primeiro país a se industrializar. Mais uma vez o peso das instituições é, segundo Galor, determinante no desenvolvimento. Se por um lado as instituições podem sim contribuir com o desenvolvimento, por outro, a Inglaterra dos séculos XVII, XVIII e XIX não era o modelo ideal de liberalismo. Como um bom liberal, Galor apresenta receitas liberais como se fossem as soluções para os males do atraso. Ele aponta que a Inglaterra, após suas revoluções políticas do século XVII, se tornou um país que estimulava a “concorrência”. O autor aponta que o Parlamento inglês aboliu monopólios. Mas o autor esquece de falar da Companhia Inglesa/Britânica das Índias Orientais, empresa privada que foi monopólio concedido pela monarquia inglesa (antes das revoluções do século XVII) e se manteve como tal até meados do século XIX!

Ainda sobre o Reino Unido, temos a inevitável comparação com a China, país que talvez fosse o mais desenvolvido tecnologicamente no mesmo período em que a Revolução Industrial iniciou. Por que, então, a Revolução Industrial não começou na China e sim no Reino Unido? Galor responde essa pergunta argumentando que fatores culturais, institucionais e geográficos fizeram o evento da industrialização iniciar na Inglaterra e não na China; e por isso este último ficou atrasado. Porém, o autor não cita a Guerra do Ópio (1839-1842) como fator que contribuiu para desenvolver o Reino Unido e subdesenvolver a China. A Inglaterra (ou melhor a Companhia Inglesa/Britânica das Índias Orientais – monopólio) aproveitou suas vantagens tecnológica e organizacional, além do vício no ópio da população chinesa, para vencer a então potência China, que, é bom lembrar, nessa época não necessitava de nenhum produto europeu.


Após muito esforço para tentar mostrar que os problemas do capitalismo se resolvem com mais capitalismo, Galor tem uma modesta sensatez. Nas últimas páginas de sua obra aponta que “Apesar dos esforços do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para implementar as reformas inspiradas pelo Consenso de Washington na década de 1990, elas tiveram pouco sucesso na produção dos resultados desejados. Privatização da indústria, liberalização do comércio e garantia de direitos de propriedade podem ser políticas que ajudam no crescimento de países que já desenvolveram pré-requisitos sociais e culturais para o crescimento econômico, mas, em ambientes onde esses fundamentos são ausentes, onde a coesão social é frágil e a corrupção é bastante arraigada, ais reformas universais geralmente trazem poucos resultados” (p. 277).

Ou seja, receitas prontas vindas de países desenvolvidos para desenvolver países com amplas desigualdades sociais não funcionam. Só retardam ainda mais tal desenvolvimento – países subdesenvolvidos, por exemplo, precisam gastar muito dinheiro e recursos para pagar suas dívidas internas e externas, comprometendo orçamentos significativos em seu próprio desenvolvimento. Essa ideia, porém, não é nada original, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang já havia demonstrado essa tese em seu famoso livro “Chutando a escada”. Sendo assim, a história do desenvolvimento apresentada por Galor em seu livro não passa de um mito. Não são apenas fatores institucionais, populacionais e geográficos que determinam o desenvolvimento de certos países, é o sistema capitalista desenvolvido pela Divisão Internacional do Trabalho e mais recentemente pela globalização, que impede tal desenvolvimento. Se por um lado a cultura, a sociedade e a política ajudam sim no desenvolvimento, países e redes de empresas multinacionais logo entrariam em cena para frear o desenvolvimento em um determinado país – pois seriam contra seus interesses imediatos.



Sobre o autor:
 
 
Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...