A ATUALIDADE DA REVOLTA DOS MARINHEIROS perguntas sobre uma das revoltas na República Velha.

Marinheiros 

A história do Brasil é a expressão completa da luta de classes. E a revolta dos marinheiros contra a chibata é o exemplo máximo disso. Baseado nos nossos estudos sobre esta revolta popular, vamos apresentar um texto em forma de perguntas, para o estudo sobre este movimento.


A revolta da chibata mostra uma consciência de classe dos trabalhadores?

Sim. É a expressão máxima das lutas de classe no Brasil. Diferente do modelo europeu, aqui em nosso país as lutas de classe não ocorreram diretamente entre duas classes opostas (burguesia X proletariado); e sim entre “estratos” de classes (escravizados X latifundiários, trabalhadores urbanos X capitalistas, capitalistas X latifundiários). Desta forma, a Revolta dos Marinheiros (ou da Chibata) só pode ser entendida como um levante entre a classe popular (da qual muitos eram ex-escravizados, ou oriundos das camadas mais pobres da sociedade) contra uma fração da elite dominante (vinculada aos interesses dos donos de terra). 

Quais as reivindicações dos revoltosos?

Os revoltosos queriam, de imediato, o fim dos castigos corporais (chibata) e melhores condições de trabalho. Além, por óbvio, deixar de serem descriminados e tratados como se fossem trabalhadores escravizados. 

Que comparações podemos fazer entre a revolta da chibata e outras revoltas ocorridas durante a primeira República?

O período da República Velha (1889-1930) é muito mais rico de lutas populares do que se pode imaginar. 

Foi um período onde a revolta popular estava crescendo e se desenvolvendo contra a oligarquia dominante. Dentro disto, havia, também, a necessidade de se construir um mínimo de assistência social e de um Estado de fato no Brasil. É bom lembrar que na República Velha não havia leis trabalhistas, nem previdência, muito menos serviços públicos que atendessem aqueles que mais necessitassem. 

Por isso, que a revolta dos marinheiros teve relações com outras revoltas da época. Por exemplo, a Revolta da Vacina (em 1904 no Rio de Janeiro) foi um movimento contra a vacina obrigatória. As classes populares eram contra isso. O “Estado” existente impunha a vacina sem nem uma campanha esclarecedora. A picada da agulha da vacina, pode ser relacionada com a chibata, no sentido de violação do corpo; obviamente não na mesma proporção. Também é possível fazer um paralelo entre a revolta dos marinheiros com o movimento tenentista que vai surgir no início da década de 1920 – ambos lutavam contra o modelo oligárquico de governo (representado na chibata no comportamento elitista da marinha) 

Houve alguma influência da revolta do encouraçado Potemkin na Rússia em 1905 na Revolta da Chibata? 

Potemkin era o principal encouraçado da frota de guerra russa, e foi lugar de uma revolta em 27 de junho de 1905, em um contexto de revolução contra o absolutismo e de guerra contra o Japão. Para o historiador Mario Maestri, a revolta do encouraçado Potemkin “devia ser” de conhecimento de todos os marinheiros rebelados e discutida nos porões dos navios de armada (nome dado à época para a marinha). Gritavam os rebeldes: “Abaixo a ginástica, viva a liberdade”, enquanto no mar Negro o grito era de “Viva a Revolução”. O lema brasileiro referia-se a uma das reivindicações da marujada negra e mulata no Rio de Janeiro, pois entre os castigos físicos que eles sofriam estavam as ginásticas excessivas. Enquanto, na revolta de 1905 na Rússia, havia participação de militantes do Partido Social Democrata, e mesmo que as motivações para as duas revoltas fossem semelhantes, no Potemkin houve maior adesão do povo, apoio inclusive de oficiais e de manifestantes e grevistas, que se somaram aos rebeldes de lá. Portanto, as duas revoltas tiveram semelhanças e diferenças, além de uma relação muito incerta.

João Candido

Quem foi João Cândido? 

Qual sua importância para a revolta dos marinheiros? João Cândido nasceu em 1880 e tão logo participou da vida política no Rio Grande do Sul, sua terra de origem. Aos treze anos de idade já esteve envolvido com a Revolta Federalista (1893-1895). 

Em 1910, quando liderou os marinheiros revoltosos, fazia quinze anos que servia à armada brasileira. A sua vida foi repleta de problemas pessoais, foi viúvo, e depois teve uma companheira e uma filha que suicidaram-se. O Almirante Negro desde muito cedo e por toda a sua vida foi também um trabalhador, exercendo atividades nas embarcações e depois da Revolta, foi um pescador, morando na periferia no Rio de Janeiro, sem posses, e participando da política, seja se relacionando com o liberalismo, o integralismo ou com o comunismo.

Qual a relação entre a mentalidade escravista brasileira e a revolta? 

O Brasil foi o último país da América a acabar (pelo menos legalmente) com o regime de escravidão – no ano de 1888. Os negros, em geral, em toda parte do país, foram relegados a condições precárias de sobrevivência: não receberam se quer um pedaço de terra ou ajuda do governo para trabalharem e se manter dignamente. 

Um dos setores sociais que mais sentiu o fim da escravidão foi a Marinha brasileira. Pela tradição naval portuguesa, e por grande influência da família real que se mudou para o Brasil em 1808, a Marinha do Brasil foi construída em cima da classe dos nobres que aqui chegaram, ou dos filhos dos grandes proprietários de terra e escravos mais próximos ao poder governamental exercido pela monarquia Bragança e sua descendência que aqui permaneceu governando – dom Pedro I e Pedro II. No início do período republicano a maior parte dos marinheiros provinha de classes pobres urbanas e rurais, que buscavam nas forças armadas melhores condições de vida. Negros que não conseguiam emprego ou estudo no pós abolição vislumbravam no ingresso às forças armadas uma possibilidade de colocação e ascensão social. 

Sendo assim, por sua natureza “nobre”, não é de se estranhar que mesmo após o fim da escravidão, alguns oficiais da marinha brasileira mantivessem algumas práticas comuns no período em que a escravidão era vigente. Entre elas estava a chibata: que consistia em castigos corporais com chicotes. Isto era mais frequente quando os marinheiros eram negros. As condições de trabalho na armada brasileira eram escravistas. O soldo era péssimo (se trabalhava quase de graça), se comia muito mal, e o trabalho era pesado. O “recrutamento” era forçado, feito pela polícia, que selecionava quem “sentava praça” entre os desempregados, filhos rebeldes, quem estava na criminalidade: a marujada era formada por cerca de 80% de homens negros e mulatos. Eles não tinham diversões, não podiam casar-se, e eram vítimas de castigos físicos que eram legais, mesmo após a abolição da escravidão em 1888: em 189o foi criado o dispositivo na lei que permitia a chibata como castigo corporal ao marujos negros da armada brasileira. A escravidão continuava, embora velada. A chibata não era a única tortura, havia a gunilha, a palmatória ou bolo, o ferro, a sueca, muitos marujos não podiam olhar aos oficiais de cabeça erguida. Embora a armada se modernizasse com os novos encouraçados, a mentalidade escravista rondava a armada.

Porque a Revolta da Chibata tem que ser estudada atualmente? 

A atualidade da revolta da chibata está no fato de que qualquer cidadão não pode aceitar condições humilhantes de sobrevivência. A organização, a união dos despossuídos contra os seus opressores é a principal base da revolta. E isto deve servir de exemplo nos dias atuais, principalmente diante de tantas perdas sociais que nós, o povo brasileiro, estamos sofrendo – sem empregos, sem leis trabalhistas, e podemos agora ficar sem a previdência social. Sem justiça social não há democracia!


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo: Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na  rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.

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