Rio de Janeiro, 7 de maio de 2021.
Nós, negras e negros brasileiros em Coalizão Negra por Direitos, denunciamos ao mundo que vivemos em um país no qual amanhã poderemos estar mortos, pelo fato de sermos negros. Seja pelo coronavírus, seja pela fome, seja pela bala, o projeto político e histórico de genocídio negro avança no Brasil de uma forma sem limites e sem possibilidade concreta de sobrevivência do povo negro. No ápice da pandemia no país, onde poucas ou nenhuma medida de proteção é implementada pelos governantes, vivemos neste 6 de maio de 2021 um dos mais tristes capítulos de nossa trágica trajetória de violência urbana.
A Chacina do Jacarezinho, favela do Rio de Janeiro, contabiliza, até o momento, ao menos 25 mortes. Vidas e histórias exterminadas pelas forças do Estado, sem respeito a nenhum direito previsto em lei. Corpos cuja humanidade e cidadania são negadas na vida e na morte. Assassinatos resultantes de uma operação policial ilegal – uma vez que já havia proibição para a realização desse tipo de ação policial durante a pandemia pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde junho de 2020 até março deste ano, mais de 823 pessoas foram mortas em operações policiais, mesmo com a proibição da Suprema Corte (ADPF das Favelas). O governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, optou pela desobediência deliberada dessa orientação. É responsável direto pelas mortes.
A Chacina do Jacarezinho se insere no topo da lista de extermínios que marcam o triste e violento cotidiano das favelas do Rio de Janeiro e que escancara o racismo presente na sociedade brasileira. Esse é mais um massacre contra a juventude e contra homens negros, mais uma tragédia que se abate sobre mães, famílias e comunidades negras. Jamais esqueceremos a Chacina de Vigário Geral, em 1993, com 21 mortos; a Chacina do Alemão, em 2007, com 19 mortos; as recentes chacinas do Fallet/Prazeres (2019), com 13 mortos e, novamente, Complexo do Alemão (2020), com mais 13 mortos. Também não esqueceremos a Chacina do Jacarezinho.
Relatos de moradores da comunidade apontam o terror e as atrocidades praticadas pelos agentes policiais. A artilharia pesada e as explosões de granada formaram um cenário de guerra. Casas foram invadidas e execuções sumárias foram promovidas diante de familiares, incluindo crianças. Uma comunidade com mais de 40 mil moradores acuada sob vôo rasante de helicóptero com atiradores de elite. A cada momento, surgem novos relatos sobre pessoas desaparecidas e acusações de alteração das cenas dos crimes antes das perícias. Além dos relatos, vários são os registros em vídeos das casas e ruas cobertas por sangue, que viralizam na internet.
Não bastasse o trágico cenário nacional com mais de 410 mil mortes na pandemia da Covid-19 – resultado das ações do governo negacionista de Bolsonaro, a ausência de vacinas para imunização da população, os mais de 14 milhões de desempregados, o crescimento da pobreza e da fome que atinge milhares de famílias brasileiras, vivemos mais um capítulo da barbárie genocida. A Chacina do Jacarezinho é uma afronta à sociedade brasileira. O Estado e seus governantes deveriam ocupar-se, primordialmente, em salvar vidas, mas fazem o contrário.
O que vimos no Jacarezinho foram execuções sumárias de indivíduos eleitos como inimigos públicos por sua origem racial. A cor dos mortos nesta e nas inúmeras operações militares nas periferias urbanas do país revelam a prática sistemática do genocídio da população negra brasileira. Em 1951, o movimento pelos direitos civis nos EUA acusava aquele país de genocídio de sua população negra por meio da histórica petição “We Charge Genocide”. A petição fazia um paralelo entre “o assassinato bárbaro de milhōes de judeus” e “os negros mortos por causa de sua raça”. Também, na África do Sul, ativistas negras e negros sul-africanos chamaram a atenção do mundo por mais de quarenta anos para o terror racial do regime Apartheid, levando a ONU a condenar o regime em 1973 e declarar sanções econômicas nos anos seguintes.
O movimento negro brasileiro tem sistematicamente pedido a solidariedade do mundo para denunciar o genocídio antinegro colocado em curso pelo Estado brasileiro. É Genocídio! Tomando a definição da ONU, da qual o Brasil é signatário, “entende-se por genocídio (…) atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Quando se olha para o número de mortes de negros pelo Estado brasileiro, evidencia-se o processo de genocídio. Somente no ano de 2020, mais de 5.600 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil – um número cinco vezes maior do que as pessoas mortas pela polícia nos Estados Unidos. Há morte sistemática de jovens negros e negras das periferias brasileiras. Pelo menos 75% das vítimas do terror policial pertencem a esse grupo racial. A situação exige um posicionamento da comunidade internacional, do sistema ONU e da sociedade civil global acerca do processo de genocídio negro que vivemos no Brasil. As vidas negras brasileiras importam e precisam da solidariedade global.
Em 1994, um grupo de pastores de uma pequena comunidade no interior de Ruanda escreveu uma carta ao líder de sua congregação pedindo ajuda frente ao perigo iminente. A carta, imortalizada em publicação de Philip Gourevitch, intitulada “Desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos”, foi ignorada. Todos foram assassinados. Mais tarde, o apelo se transformaria em uma denúncia do desprezo do mundo frente às mais de 800 mil vítimas do genocídio de Ruanda.
Partindo desse exemplo, é urgente darmos um basta a essa sistêmica situação de violência para se evitar tragédias ainda maiores. É fundamental que haja a responsabilização das forças policiais, do governador Cláudio Castro e do estado do Rio de Janeiro por essa chacina. Assim, nós em Coalizão Negra por Direitos, exigimos:
I – Que se informe os protocolos empregados para prevenir o uso de força letal e a vitimização da população civil, especialmente de pessoas negras, nos termos da resolução;
II – Que seja garantida uma investigação independente, célere, transparente e imparcial, conduzida por órgão independente, alheio às forças de segurança e instituições públicas envolvidas na operação, nos termos da obrigação;
III – Que seja formado um corpo pericial independente, que garanta a imparcialidade e
transparência para investigar os assassinatos, observando-se os termos do Protocolo de Minnesota;
IV – Que os familiares das vítimas e todas as pessoas que sofreram violações sejam devidamente reparadas;
V – Que haja uma enérgica atuação por parte do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro e Ministério Público Federal para que haja a responsabilização das forças policiais;
VI – O imediato afastamento das forças policiais dos responsáveis pela Chacina de Jacarezinho;
VII – Que seja cumprida a decisão do STF na ADPF das Favelas;
VIII – Que seja implementada a condenação internacional recebida pelo Brasil no caso Favela Nova Brasília, também localizada no Rio de Janeiro;
IX – Que seja criado pelo estado do Rio de Janeiro um plano de redução da violência e letalidade policial, conforme já recomendado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos;
X – Que sejam adotadas políticas de proteção à segurança e integridade das testemunhas que vivem na comunidade de Jacarezinho, bem como das defensoras e defensores de direitos humanos que estão atuando na comunidade e na denúncia desse caso.
No próximo dia 13 de maio, marca histórica da abolição formal da escravidão no Brasil, convocamos manifestações em todo o país pelo fim do genocídio negro, das operações policiais assassinas, das chacinas de todo dia. Nem bala, nem fome e nem Covid. Queremos viver!
Precisamos dar um basta ao genocídio negro. A população negra e favelada também é digna de direitos humanos.
Não esqueceremos a Chacina do Jacarezinho.
Vidas Negras Importam.
Nós, negras e negros brasileiros em Coalizão Negra por Direitos, denunciamos ao mundo que vivemos em um país no qual amanhã poderemos estar mortos, pelo fato de sermos negros. Seja pelo coronavírus, seja pela fome, seja pela bala, o projeto político e histórico de genocídio negro avança no Brasil de uma forma sem limites e sem possibilidade concreta de sobrevivência do povo negro. No ápice da pandemia no país, onde poucas ou nenhuma medida de proteção é implementada pelos governantes, vivemos neste 6 de maio de 2021 um dos mais tristes capítulos de nossa trágica trajetória de violência urbana.
A Chacina do Jacarezinho, favela do Rio de Janeiro, contabiliza, até o momento, ao menos 25 mortes. Vidas e histórias exterminadas pelas forças do Estado, sem respeito a nenhum direito previsto em lei. Corpos cuja humanidade e cidadania são negadas na vida e na morte. Assassinatos resultantes de uma operação policial ilegal – uma vez que já havia proibição para a realização desse tipo de ação policial durante a pandemia pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde junho de 2020 até março deste ano, mais de 823 pessoas foram mortas em operações policiais, mesmo com a proibição da Suprema Corte (ADPF das Favelas). O governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, optou pela desobediência deliberada dessa orientação. É responsável direto pelas mortes.
A Chacina do Jacarezinho se insere no topo da lista de extermínios que marcam o triste e violento cotidiano das favelas do Rio de Janeiro e que escancara o racismo presente na sociedade brasileira. Esse é mais um massacre contra a juventude e contra homens negros, mais uma tragédia que se abate sobre mães, famílias e comunidades negras. Jamais esqueceremos a Chacina de Vigário Geral, em 1993, com 21 mortos; a Chacina do Alemão, em 2007, com 19 mortos; as recentes chacinas do Fallet/Prazeres (2019), com 13 mortos e, novamente, Complexo do Alemão (2020), com mais 13 mortos. Também não esqueceremos a Chacina do Jacarezinho.
Relatos de moradores da comunidade apontam o terror e as atrocidades praticadas pelos agentes policiais. A artilharia pesada e as explosões de granada formaram um cenário de guerra. Casas foram invadidas e execuções sumárias foram promovidas diante de familiares, incluindo crianças. Uma comunidade com mais de 40 mil moradores acuada sob vôo rasante de helicóptero com atiradores de elite. A cada momento, surgem novos relatos sobre pessoas desaparecidas e acusações de alteração das cenas dos crimes antes das perícias. Além dos relatos, vários são os registros em vídeos das casas e ruas cobertas por sangue, que viralizam na internet.
Não bastasse o trágico cenário nacional com mais de 410 mil mortes na pandemia da Covid-19 – resultado das ações do governo negacionista de Bolsonaro, a ausência de vacinas para imunização da população, os mais de 14 milhões de desempregados, o crescimento da pobreza e da fome que atinge milhares de famílias brasileiras, vivemos mais um capítulo da barbárie genocida. A Chacina do Jacarezinho é uma afronta à sociedade brasileira. O Estado e seus governantes deveriam ocupar-se, primordialmente, em salvar vidas, mas fazem o contrário.
O que vimos no Jacarezinho foram execuções sumárias de indivíduos eleitos como inimigos públicos por sua origem racial. A cor dos mortos nesta e nas inúmeras operações militares nas periferias urbanas do país revelam a prática sistemática do genocídio da população negra brasileira. Em 1951, o movimento pelos direitos civis nos EUA acusava aquele país de genocídio de sua população negra por meio da histórica petição “We Charge Genocide”. A petição fazia um paralelo entre “o assassinato bárbaro de milhōes de judeus” e “os negros mortos por causa de sua raça”. Também, na África do Sul, ativistas negras e negros sul-africanos chamaram a atenção do mundo por mais de quarenta anos para o terror racial do regime Apartheid, levando a ONU a condenar o regime em 1973 e declarar sanções econômicas nos anos seguintes.
O movimento negro brasileiro tem sistematicamente pedido a solidariedade do mundo para denunciar o genocídio antinegro colocado em curso pelo Estado brasileiro. É Genocídio! Tomando a definição da ONU, da qual o Brasil é signatário, “entende-se por genocídio (…) atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Quando se olha para o número de mortes de negros pelo Estado brasileiro, evidencia-se o processo de genocídio. Somente no ano de 2020, mais de 5.600 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil – um número cinco vezes maior do que as pessoas mortas pela polícia nos Estados Unidos. Há morte sistemática de jovens negros e negras das periferias brasileiras. Pelo menos 75% das vítimas do terror policial pertencem a esse grupo racial. A situação exige um posicionamento da comunidade internacional, do sistema ONU e da sociedade civil global acerca do processo de genocídio negro que vivemos no Brasil. As vidas negras brasileiras importam e precisam da solidariedade global.
Em 1994, um grupo de pastores de uma pequena comunidade no interior de Ruanda escreveu uma carta ao líder de sua congregação pedindo ajuda frente ao perigo iminente. A carta, imortalizada em publicação de Philip Gourevitch, intitulada “Desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos”, foi ignorada. Todos foram assassinados. Mais tarde, o apelo se transformaria em uma denúncia do desprezo do mundo frente às mais de 800 mil vítimas do genocídio de Ruanda.
Partindo desse exemplo, é urgente darmos um basta a essa sistêmica situação de violência para se evitar tragédias ainda maiores. É fundamental que haja a responsabilização das forças policiais, do governador Cláudio Castro e do estado do Rio de Janeiro por essa chacina. Assim, nós em Coalizão Negra por Direitos, exigimos:
I – Que se informe os protocolos empregados para prevenir o uso de força letal e a vitimização da população civil, especialmente de pessoas negras, nos termos da resolução;
II – Que seja garantida uma investigação independente, célere, transparente e imparcial, conduzida por órgão independente, alheio às forças de segurança e instituições públicas envolvidas na operação, nos termos da obrigação;
III – Que seja formado um corpo pericial independente, que garanta a imparcialidade e
transparência para investigar os assassinatos, observando-se os termos do Protocolo de Minnesota;
IV – Que os familiares das vítimas e todas as pessoas que sofreram violações sejam devidamente reparadas;
V – Que haja uma enérgica atuação por parte do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro e Ministério Público Federal para que haja a responsabilização das forças policiais;
VI – O imediato afastamento das forças policiais dos responsáveis pela Chacina de Jacarezinho;
VII – Que seja cumprida a decisão do STF na ADPF das Favelas;
VIII – Que seja implementada a condenação internacional recebida pelo Brasil no caso Favela Nova Brasília, também localizada no Rio de Janeiro;
IX – Que seja criado pelo estado do Rio de Janeiro um plano de redução da violência e letalidade policial, conforme já recomendado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos;
X – Que sejam adotadas políticas de proteção à segurança e integridade das testemunhas que vivem na comunidade de Jacarezinho, bem como das defensoras e defensores de direitos humanos que estão atuando na comunidade e na denúncia desse caso.
No próximo dia 13 de maio, marca histórica da abolição formal da escravidão no Brasil, convocamos manifestações em todo o país pelo fim do genocídio negro, das operações policiais assassinas, das chacinas de todo dia. Nem bala, nem fome e nem Covid. Queremos viver!
Precisamos dar um basta ao genocídio negro. A população negra e favelada também é digna de direitos humanos.
Não esqueceremos a Chacina do Jacarezinho.
Vidas Negras Importam.
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