Conteúdo publicado originalmente no blog Humanidades em Debate
No excelente texto chamado O retorno do esquecido Getúlio Vargas, o historiador Alex Lombello Amaral afirmou algo impossível de contra argumentar. Getúlio Dornelles Vargas, “por WO”, foi nosso melhor presidente. Gegê foi presidente do Brasil duas vezes. A partir do golpe de 1930 até sofrer um golpe em 1945. E depois, quando retornou democraticamente em 1951 e em 1954, para não ser vítima de outro golpe, deixou o governo e a vida, simultaneamente.
Essa primeira etapa é chamada “Era Vargas”, quando tivemos uma ditadura, que já existia durante a “República Velha” e Getúlio Vargas a apoiava, ao cumprir tarefas de Borges de Medeiros. Mas em 1931, o governo getulista criou a Lei de Sindicalização, limitando cada categoria da classe trabalhadora a um único sindicato e subordinando todos eles ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, recém criado. O decreto n° 19.777 dispunha sobre a sindicalização das classes operárias e patronais, isso é necessário destacar.
Quanto essa polêmica, Getúlio Vargas defendia que Estado deveria estimular a mentalidade associativista, valorizando cada sindicato como uma entidade, mas exercendo sobre ele certo controle para evitar excessos. Os sindicatos teriam duas vantagens na sua visão, fortalecimento dos trabalhadores e facilitar o diálogo entre os trabalhadores e o Estado, através dos seus líderes. Ainda em 1931, o governo assinou o decreto 20.291 conhecido como Lei dos 2/3, para garantir a presença mínima de 2/3 de empregados nacionais na indústria e no comércio, nacionalizando a classe proletária, em um regime de prioridade para o trabalhador nacional.
Em agosto de 1931, foi criado o Código dos Interventores, estabelecendo as normas de conduta dos governantes estaduais nomeados por Getúlio Vargas. Todos os presidentes (como se chamavam os atuais governadores) foram demitidos pelo governo central, logo após novembro de 1930, exceto o de Minas Gerais, e em seus lugares nomeados interventores de confiança do presidente que tinha assumido o poder executivo e legislativo, ao dissolver o Congresso Nacional. Dessa maneira, reciclava a “República Oligárquica”, conservando o que já havia antes de tomar o poder pela via armada.
Outras medidas foram o estabelecimento de um estatuto para as universidades brasileiras, a organização da Universidade do Rio de Janeiro, e uma reforma do ensino secundário. Essas foram as primeiras ações do que os trabalhistas hodiernos e os seus simpatizantes chamam de “Revolução de 30”.
Uma das polêmicas da Era Vargas foi a sua legislação trabalhista da CLT, que possuía 922 artigos, acusada por muitos intelectuais de ser inspirada no modelo fascista da “Carta del Lavoro”, editada em 21 de abril de 1927 e copiada a posteriori, por diversos países, como Portugal, Turquia e Brasil. É importante a análise desse documento para concluirmos se Getúlio Vargas foi ou não foi um fascista brasileiro. Abaixo transcrevemos a mesma:
1. A Nação italiana é um organismo com fins, vida, meios e ações superiores por potência e extensa aqueles indivíduos separados ou reagrupados que a compõem. É uma unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado fascista.
2. O trabalho, sob todas as formas organizativas e executivas, intelectuais, técnicas, manuais é um dever social. A este título, é tutelado pelo Estado. O complexo da produção é unitário do ponto de vista nacional; os seus objetivos são unitários e se reassumem no benefício dos particulares e no desenvolvimento da potência nacional.
3. A organização sindical ou profissional é livre. Mas somente o sindicato legalmente reconhecido e submisso ao controle do estado tem o direito de representar legalmente a categoria dos empregadores ou de trabalhadores para a qual é constituído; de tutelar-lhes, face ao Estado e outras organizações profissionais, os interesses; de estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os pertencentes da categoria, de impor-lhes contribuições e de exercitar, por conta disto, funções delegadas de interesse público.
4. No contrato coletivo de trabalho encontra a sua expressão concreta de solidariedade entre os vários fatores da produção, mediante a conciliação dos interesses opostos dos empregadores e dos trabalhadores, e a sua subordinação aos interesses superiores da produção.
5. A magistratura do trabalho é o órgão com o qual o Estado intervém a regular as controvérsias do trabalho, seja pela observância dos acordos e de outras normas existentes, seja pela determinação de novas condições de trabalho.
6. As associações profissionais legalmente reconhecidas asseguram a igualdade jurídica entre os empregadores e os trabalhadores, mantendo a disciplina da produção e do trabalho e lhe promovendo o aperfeiçoamento. As Corporações constituem as organizações unitárias da força da produção e lhe representam integralmente os interesses. Em virtude desta representação integral, sendo os interesses nacionais, as Corporações são reconhecidas pela lei como órgãos do Estado.
7. Como representantes dos interesses unitários da produção, as Corporações podem ditar normas obrigatórias sobre a disciplina das relações de trabalho e também sobre coordenação da produção, todas as vezes que tiveram os necessários poderes das associações coordenadas.
8. O Estado corporativo considera a iniciativa no campo da produção como o instrumento mais eficaz útil no interesse da nação. A organização privada da produção, sendo uma função de interesse nacional, o organizador do empreendimento é responsável pelo endereço da produção face do Estado. Da colaboração das forças produtivas deriva a reciprocidade de direitos e deveres. O prestador de serviços, técnico, empregado ou operários é um colaborador ativo do empreendimento econômico, no sentido do qual cabe ao empregador a responsabilidade pelos mesmos.
9. As ações dos sindicatos, o serviço conciliativo dos órgãos corporativos e as sentenças da magistraturas do trabalho garantem a correspondências do salário ante as exigências normais de vida, às possibilidades da produção e ao rendimento do trabalho. A determinação do salário é subtraída a qualquer norma geral e confiada ao acordo das partes nos contratos coletivos.
10. As consequências das crises de produção e dos fenômenos monetários devem igualmente repartir-se entre todos os fatores da produção. Os dados relevantes acerca das condições da produção e do trabalho e a situação do mercado monetário, e as variações do nível de vida dos prestadores de serviço, coordenados e elaborados pelo Ministério das Corporações, darão o critério para conformar os interesses das várias categorias, das classes entre elas, e destes co-interesses superiores da produção.
11. Quando a retribuição for estabelecida por tarefa, e a liquidação das tarefas for feita em períodos superiores à quinzena, são devidos adiantamentos quinzenais ou semanais.O trabalho noturno, não compreendido em regulares turnos periódicos, vem retribuindo com um percentual maior do que o diurno. Quando o trabalho for retribuído por tarefa, os valores das tarefas devem ser determinados de modo que o operário trabalhador, de normal capacidade produtiva, seja permitido conseguir um ganho mínimo além da base paga.
12. As infrações à disciplina os atos que perturbem o normal andamento da empresa, cometidas pelo trabalhador, são punidas, segundo a gravidade da falta, com multa, com a suspensão do trabalho e, para os casos mais graves, com a demissão imediata sem indenização. Serão especificados os casos nos quais o empregador poderá aplicar a multa ou a suspensão ou demissão imediata sem indenização.
13. O contrato coletivo de trabalho estende seus benefícios e a sua disciplina também aos trabalhadores a domicílio.
14. O Estado verifica e controla o fenômeno da ocupação e da desocupação dos trabalhadores, índice complessivo das condições da produção e do trabalho.
15. Os escritórios de colocação são constituídos de forma paritária, sob o controle dos órgãos corporativos do Estado. Os empregadores têm a obrigação de assumir os prestadores de serviço pelo funcionamento do mencionado escritório. A esses é concedida a faculdade de escolha no âmbito dos inscritos no elenco, com preferência àqueles que pertençam ao Partido e aos Sindicatos fascistas, segundo a antiguidade de inscrição.
16. As associações profissionais de trabalhadores têm a obrigação de exercitar uma ação seletiva entre os trabalhadores, com o objetivo de elevar-lhes sempre mais a capacidade técnica e o valor moral.
17. Os órgãos corporativos observarão, porque são observadas as leis sobre prevenção dos infortúnios e sobre polícia do trabalho da parte dos indivíduos das associações coordenadas.
18. A previdência é uma alta manifestação do princípio de colaboração. Os empregadores e os prestadores de serviço devem contribuir proporcionalmente aos custos desta.
19. O Estado fascista propõe:
o aperfeiçoamento do seguro de acidentes;
à melhoria e extensão do seguro maternidade;
ao seguro das doenças profissionais e das tuberculoses, assim como ao início do seguro geral contra todas as doenças;
o aperfeiçoamento do seguro contra a desocupação involuntária;
a adoção de formas especiais de seguros para os jovens trabalhadores 20. A educação e instrução, especialmente a instrução profissional, dos representantes, sócios e não sócios, é um dos principais deveres das associações profissionais. Estes devem sustentar ações das obras nacionais relativa ao Dopolavoro e outras iniciativas de educação.
Vimos, acima, que a idéia central no trabalhismo de “conciliação de classe” esteve contida também na “Carta del Lavoro”, que estabelecia no ítem 4 a mediação de “conciliação dos interesses opostos dos empregadores e dos trabalhadores “. Outro elemento comum ao trabalhismo e ao fascismo de Mussolini, foi colocar o trabalho na lei, pois na “Carta del Lavoro” o Estado Fascista propunha seguro de acidentes, seguro maternidade, seguro geral contra doenças, seguro contra a desocupação involuntária, e seguro para os jovens trabalhadores. O fascismo e o trabalhismo provocaram melhoras nas condições de trabalho, amos ao menos em teoria, nas escritas de suas leis.
Por ser um ditador, Getúlio Vargas foi o inventor de nossa democracia representativa, basta lembrar que o presidente Eurico Gaspar Dutra governou inicialmente sob o Estado Novo e após um golpe contra o mesmo gaúcho de São Borja. Em 1951 começou a democracia representativa no Brasil, liderada pelo tirano e nosso melhor presidente, Getúlio Vargas, que inspirou o soneto ali abaixo:
FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 2 ° ed. Editora da Universidade de São Paulo: Fundação do desenvolvimento da Educação, 1995. (Didática I).
FENELON, Dea Ribeiro. 50 textos de História do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1990.
PERICÁS, Luiz Bernardo. SECCO, Lincoln (ORGS.). Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. RS: A economia & o poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. Volume 1: 1882-1950. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2001.
Sobre o autor:
Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Colunista no Jornal de Opinião (do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alvorada- SIMA) e no Jornal de Viamão.
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