“A Revolução de 30 foi apenas política- e é duma revolução econômica que o Brasil precisa. Por que V. Excia, que chefiou com tanto sucesso a revolução política, não chefia também uma revolução econômica?” Trecho de carta de Monteiro Lobato para Getúlio Vargas, em 15/02/1935.
Monteiro Lobato nasceu em 1882, em Taubaté/SP, batizado com o nome José Renato, depois mudou seu nome para José Bento. Em 1895, foi para a capital fazer exame de acesso para a faculdade de direito, sendo reprovado. Mas depois de cinco anos, tentou outra vez e teve êxito.
Participou em seguida de grupos de estudos, chamados Arcádia e Cainçalha, fundou centro acadêmico, escrevendo desde moço para jornais, algumas vezes utilizando falsos nomes, outras vezes não. Voltou para sua cidade natal depois de colar grau, iniciando uma carreira de crítico das artes, o que no futuro causaria polêmicas. Trabalhava com traduções, fazendo caricaturas, como promotor público interino, iniciava um amor longevo com sua “Purezinha”.
REVOLUÇÃO NO FOLCLORE
Em 1911, faleceu o avô de Monteiro Lobato, Visconde de Tremembé. Ele e suas irmãs herdaram cerca de cinco mil hectares. E, nessa época, aconteceram dois marcos nesta trajetória, o primeiro deles foi ao criar o personagem Jeca Tatu, no artigo que deu origem ao segundo livro, “Urupês”.
E o segundo foi o primeiro livro, dos mais de sessenta obras por ele publicadas. A publicação aconteceu depois de uma pesquisa de opinião pública sobre o Saci Pererê, que culminou em “O Saci Pererê: resultado de um inquérito”. Monteiro Lobato começava o que Gisele de Luna identificou como uma representação das pessoas com deficiência na literatura infantil, o que Cilza Bignotto destacou como a transformação do Saci no primeiro herói negro para crianças no Brasil, algo tão distante de um racismo delirante.
Em 1917, Monteiro Lobato foi um grande responsável por popularizar alenda do Saci, ao lado de outras lendas como do Curupira e da Iara, batendo de frente com o Halloween ianque. Até hoje em dia é celebrado o Dia do Saci, representando um empenho de negritar a cultura nacional brasileira contra mitos importados que ofuscam o nosso folclore.
MONTEIRO LOBATO LACRADOR
Monteiro Lobato teve uma relação conflituosa com os modernistas, polemizando publicamente com Anita Malfatti e com Mario de Andrade, como formas de propagar a “marca Monteiro Lobato”. A preocupação com a publicidade de seu nome foi permanente, chegando a afirmar, sobre o artigo “Urupês” e outros no jornal Estado de São Paulo: "(...) no Estado houve uma séria discussão sobre aquele artigo ‘Urupês’, na qual poucos concordaram comigo totalmente, mas todos foram unânimes em que sou 'novo de forma' e uma 'revelação'. (...) Escrevendo no Estado, consigo um corpo de 80 mil leitores, dada a circulação de 40 mil do jornal e atribuindo a média de 2 leitores para cada exemplar. Ora, se me introduzir num jornal do Rio de tiragem equivalente, já consigo dobrar o meu eleitorado. Ser lido por 200 mil pessoas é ir gravando o nome - e isso ajuda. (...) Para quem pretende vir com livro, a exposição periódica do nomezinho equivale aos bons anúncios das casas de comércio."
Monteiro Lobato foi um pioneiro na habilidade de auto promoção, por vezes fazia, ao seu tempo, uma publicidade de seu nome por meio do que hoje seria considerado “lacração”. Quando editou obras de Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, com capas de autoria de Anita Malfatti, mostrava que as polêmicas com os modernistas se inseriam nesta estratégia. Assim como quando fez uma campanha pró saneamento, que popularizava bastante a “marca”, bem em afirmações como declarar que o governo Eurico Gaspar Dutra era um “Estado Novíssimo”, para criticar o autoritarismo desta gestão, que o obrigou a exilar-se na Argentina.
O personagem do Jeca Tatu, por sua vez, merece uma boa análise, afinal Monteiro Lobato chegou a qualificar artigos seus como “ideias de Jeca”, e que o caipira estava insolente em razão do “problema vital” que era social, a precariedade na higiene e na saúde, que o tornava assim. Depois ele criava o “Jeca Tatuzinho”, que ensinava práticas de higiene para as crianças. Com o tempo, Monteiro Lobato desenvolvia ainda mais o personagem, o transformando em um trabalhador sem terra, explorado pelo latifúndio, o chamando de “Jeca Brasil”.
Monteiro Lobato era também o que hoje seria denominado um “empreendedor”, incansável na criação de companhias de extração de petróleo, gráficas, editoras, publicando livros infantis e didáticos, por inteiro, ou pela metade. Mas por vezes parecia ter coerência ideológica, ao ter má vontade e até chegar a negar indicação para ser um nome da Academia Brasileira de Letras, principalmente depois que o seu algoz Getúlio Vargas tornou-se um membro. Além disso, foi combativo na luta por soberania nacional brasileira, sempre em oposição ao governo Vargas, diversas vezes foi indicado por ele para obter cargos no governo, e a resposta sempre foi um teimoso “não”.
PERSEGUIÇÕES NA PRIMEIRA REPÚBLICA E NA ERA VARGAS
Monteiro Lobato foi perseguido pelo presidente Artur Bernardes, por defender o voto secreto. Além disso, um de seus sócios da Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato, foi preso pelo mesmo governo, acusado de ligação com o movimento tenentista. Mas a polêmica maior aconteceria com Getúlio Vargas, uma das razões era por ser um apoiador do Júlio Prestes, que obteve vitória eleitoral em 1930. Monteiro Lobato viu com desgosto a deposição de Washington Luis e impedimento de posse de Júlio Prestes, para ele a revolução de trinta foi um golpe.
Desde o primeiro ano de Era Vargas, Monteiro Lobato enviava cartas ao presidente e publicava artigos e livros sobre o problema siderúrgico brasileiro, propondo como solução o processo Smith e denunciando o escândalo do petróleo. O idealismo de Monteiro Lobato em defesa da soberania brasileira na questão do petróleo, gerou reconhecimento entusiasmado do diretório do Estado de São Paulo da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que endereçou a ele carta elogiando a publicação do livro “O escândalo do petróleo”.
No dia 22 de janeiro de 1939, no poço de Monteiro Lobato em Salvador/Bahia, foi descoberto oficialmente o petróleo no Brasil. No entanto, depois que o escritor apareceu em uma entrevista para jornal inglês chamando Getúlio Vargas de “ditador total”, Monteiro Lobato passou três meses na cadeia. Na última entrevista cedida, ele teria dito a frase que deu nome a um movimento popular pelo monopólio estatal do petróleo: "O PETRÓLEO É NOSSO!”.
Os livros de Monteiro Lobato foram censurados, após o fim da sua vida, pela igreja católica e pela ditadura de primeiro de abril, aquela de 1964. Se era notório que ele não era comunista, ele teve boas relações com militantes revolucionários, afinal participou da fundação e foi diretor do Instituto Cultural Brasil-URSS, teve em vida livros lançados pela editora Brasiliense de Caio Prado júnior, sendo sócio dele logo após. E enviou um discurso gravado de saudação para Luis Carlos Prestes, para um comício realizado pelos comunistas no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Confira na íntegra:
“Tenho como dever saudar Luiz Carlos Prestes porque sinceramente vejo nele uma grande esperança para o Brasil. Vejo nele um homem nitidamente marcado pelo destino. Vejo nele o único dos nossos homens que pelos seus atos e pelo amor ao próximo conseguiu elevar-se à altura de símbolo. Símbolo do quê? De uma mudança social, enorme canteiro em que as classes privilegiadas são as flores, e a imensa massa da maioria é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo.
Nasci na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi de miséria silenciosa nos campos e cidades me força a repudiar uma ordem social que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra qualquer mudança. A nossa ordem social me é pessoalmente muito agradável, mas eu penso em mim mesmo se acaso houvesse nascido esterco. Essa visão da realidade brasileira sempre me preocupou e sempre me estragou a vida. Nada mais lógico, pois, do que meu grande interesse pelo homem que não conheço, mas acompanho desde os tempos em que um punhado de loucos lutava contra todo o poder do governo.
E lutava por quê? Com que fim? Pela conquista do poder? Fácil lhe seria isso, como foi fácil para outros companheiros que desandaram. Prestes não lutava por. Lutava contra. Contra quê? Contra a nossa ordem social tão conformada com o sistema do mundo dividido em flores e esterco. E pelo fato de sonhar com a grande mudança foi condenado a trinta anos de prisão, como pelo fato de sonhar um sonho semelhante, Jesus foi condenado a morrer na tortura.
Os acontecimentos do mundo vieram libertar o nosso homem-símbolo e ei-lo hoje na mais alta posição a que um homem pode erguer-se em um país. Ei-lo na posição de força de amanhã. Na posição do homem que fatalmente será elevado ao poder e lá agirá para que o regime de flores e esterco se transforme em algo mais equitativo e humano.
Todos nós, um país inteiro, esperamos em Luiz Carlos Prestes; e esperamos nele tanto quanto desesperamos de outros cujos programas de governo botam acima de tudo a ‘manutenção da ordem’, isto é, a conservação do sistema de flores e esterco. E qualquer coisa no fundo da nossa intuição nos diz que Prestes não nos decepcionará, e que um dia o antigo Cavaleiro da Esperança se transformará no Realizador das Nossas Esperanças.
A luta não é minha. A luta é de todos nós.”
Muito mais poderia
ser dito sobre Monteiro Lobato, quando era estudante, fazendeiro, editor,
escritor de ficção e realidade social, crítico literário e das artes. Monteiro Lobato no Rio de Janeiro e em Nova Iorque, um
admirador de Lima Barreto e amigo de Anísio Teixeira, criador da filósofa Emília. Uma das pessoas que
pressionaram o governo Getúlio Vargas pela soberania nacional na questão do
petróleo e na luta pelo ferro, e por outro lado, também um intelectual inserido no pensamento eugenista
e de darwinismo social de seu tempo, encantado com a Klu Klux Klan, entusiasta da chamada revolução constitucionalista de 1932, para ele uma “guerra
de independência”.
Como lidar com os escritos de Monteiro Lobato? Um escritor que chegou a afirmar em um dos seus livros mais criticados, “O choque das raças ou o presidente negro” (1926):
“Descortinou todo o lúgubre passado da raça infeliz. Viu muito longe, esfumado pela bruma dos séculos, o humilde kraal africano visado pelo feroz negreiro branco, que em frágeis brigues vinha por cima das ondas qual espuma venenosa do oceano. Viu o assalto, a chacina dos moradores nus, o sangue a correr, o incêndio a engolir as palhoças. Depois, o saque, o apresamento dos homens pálidos e das mulheres, a algema que lhes garroteava os pulsos, a canga que os metia dois a dois em comboios sinistros tocados a relho para a costa. Viu, como goelas escuras, abrirem-se os porões dos brigues para tragar a dolorosa carne do eito. E recordou o interminável suplício da travessia... Carga humana, coisa, fardos de couro negro com carne vermelha por dentro, A fome, a sede, a doença, a escuridão. Por sobre as cabeças da carga humana, um tabuado. Por cima do tabuado, rumores de vozes. Eram os brancos. Branco queria dizer uma coisa só: crueldade fria...“
Sobre o autor:
Rafael Freitas: Membro fundador e permanente do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata, coletivo de professores voltado para a produção de conhecimento e socialização da História das Américas. Educador Popular, com histórico de fundação e coordenação de cursinhos comunitários, preparatórios para vestibulares e ENEM. Coordenador das bibliotecas populares Luis Carlos Solim e Alceu Barra. Participação com artigos e produção de fontes primárias de pesquisa utilizando a metodologia de História Oral em livros sobre História de Alvorada, Viamão e Gravataí, bem como no livro “Alvorada tradicionalista”. Graduado em licenciatura plena em História na FAPA (Faculdades Porto-Alegrenses), desde 2014. Professor de História da Rede de Ensino Mauá. Colunista do site de notícias Seu Expediente (https://seuexpediente.com.br/).
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