VILCABAMBA: a saga de uma resistência

Ao longo de nossa jornada americanista muito já resgatamos sobre personagens que a história oficial os fez invisíveis lhes ignorando por completo; ou, até pior, lhes criou injustamente uma visão depreciativa que precisa ser repensada. Sendo um exemplo desta primeira afirmação o líder indígena Mandu Ladino que a despeito da gigantesca rebelião que criou no nordeste brasileiro (http://geaciprianobarata.blogspot.com/2015/07/mandu-ladino-quem-foi-mandu-ladino.html) ainda é, em boa parte, um desconhecido em nossa história[1]

 

Vilcabamba
 

Já um claro caso de injustiça que levamos à tona é o do líder inca Manco Inca Yupangui, mais conhecido pelo titulo de Manco Capac II. O qual até aparece com maior frequência nos livros escolares. Contudo, sendo descrito de forma superficial e parcial. Ao ser lembrado muito mais pela sua controversa colaboração, inicial, com o invasor espanhol que atacou e desmantelou ao seu império inca. Sobre o qual vimos que havia tanto a se falar da sua saga que isso nos levou a fazer dois artigos sobre ele: (http://geaciprianobarata.blogspot.com/2017/08/forjando-propria-historia-incrivel-saga.html e http://geaciprianobarata.blogspot.com/2017/10/forjando-propria-historia-incrivel-saga.html). Mostrando justamente uma face, pouco reconhecida, deste vulto que precisava ser mais exposta.

No caso, toda a sua luta que pôs em xeque o controle espanhol sobre o seu império de Tahuantinsuyo, nome correto dessa nação que mais conhecemos como o império inca. Por mais que por um tempo ele realmente tenha sido submisso ao líder da invasão ao seu país, Francisco Pizarro, por razões extremamente complexas que o bom senso assim nos impede de lhe condenar. Pois a despeito disso, o controle espanhol sobre o Peru somente se sentiu ameaçado enquanto ele era vivo. Quando este Manco Inca então se voltou contra seus dominadores. Tanto nos anos em que ele tentou expulsar aos espanhóis da capital de seu império Cusco, como em seu esforço para preservar de todos os meios o legado de seu povo, através do chamado Império Neo-inca em Vilcabamba na Amazônia peruana.

 

Francisco Pizarro

 

Obra que sobreviveu a ele, através de seus três filhos, em especial o último destes, chamado Tupac Amaru, cujo nome se tornou inspiração a muitos outros homens mais tarde. Talvez assim sendo até mais lembrado que seu injustiçado pai Manco Capac II que não tem tanto destaque na história como este seu filho Tupac. Sendo um exemplo desta afirmação: um bisneto deste último monarca inca, por parte de mãe, José Gabriel Condorcanqui, que em sua rebelião, quase dois séculos depois, em que também tentou dar fim aos abusos da colonização espanhola; ele fez questão de usar seu nome, ficando por este motivo, conhecido como Tupac Amaru II. Assim como em outros países o nome deste filho de Manco Inca igualmente se tornou uma referência na luta pela derrubada de regimes autoritários, independente de terem alguma identificação com o passado inca.

Como foi o caso do movimento guerrilheiro dos Tupamaros no Uruguai, mesmo sendo obvio que este país nada tem de relação com o legado de Tahuantinsuyo. Igual um famoso artista dos EUA, o rapper Tupac Shakur (1972-1996) teve seu nome dado em homenagem ao passado de lutas deste chefe inca. Ou seja, por tudo isso, a história de Vilcabamba merece ser um pouco mais conhecida. Um legado primeiramente iniciado, como nós já dissemos a pouco, pelo nem sempre lembrado Manco Inca Yupangui. Por mais que justamente o melhor de sua saga acontece com ele. De modo que ela já não é tão entusiasmante após este seu fundador morrer em 1545, perdendo muito de seu brilho sob o comando de seus três filhos que o sucederam.

E como já conhecemos muito da vasta luta de Manco Inca Yupangui contra os espanhóis durante a guerra civil no império inca, nos dois artigos anteriores que mencionamos (cujos links aparecem acima), creio que podemos nos focar daqui em diante somente em seu grande centro de resistência, a localidade de Vilcabamba. Para tanto começando pelo começo a sua história. Ou seja, colocando que este local já era posse dos incas a algumas gerações antes da vinda de Manco Inca para lá, onde ele instalou sua resistência.

Para se mais exato a região de Vilcabamba já fazia parte do império Inca desde o tempo de Pachacuti (1438–1471). A quem não saiba este foi um dos primeiros monarcas a alargar descomunalmente ao então pequeno reino de Cuzco gradualmente no império que conhecemos nos livros. Contudo, é claro que o local, evidentemente já teve outros donos antes disso. No caso a sociedade Huari, um povo que antecedeu aos incas. Afirmação que se deve à existência de um antigo túmulo de um dignitário pertencente a essa cultura que remonta ao período de mil anos. Assunto que podemos comentar com mais detalhes em outro momento para nos alongarmos em demasia aqui.

Portanto, vamos direto ao fato agora que esta localidade ganha importância para nós nesta história em especial, por ocasião do refugio de Manco Inca (também conhecido como Manco Capac II) em 1536, onde ele começou uma eficiente resistência. Defesa impressionante também em parte pelas características da região que inclui montanhas cobertas de neve, floresta, selva de planície e rios que atravessam desfiladeiros profundos. O acesso e o transporte dentro da área eram difíceis e inviabilizavam os esforços espanhóis para destruir os últimos postos avançados do Império Inca. Consequentemente Manco Inca, diante de toda a sua sagacidade, não se limitou ao refúgio, continuando sua luta que em vários momentos conseguiu impor grandes derrotas aos seus invasores.

Combates que diante da complexidade étnico-politica do império se fez tanto contra os espanhóis como contra seus aliados nativos, dentre os quais, os wankas. E como já dissemos, conquistando vitórias expressivas em batalhas ferozes, inclusive em terras atualmente da vizinha Bolívia. Sucessos que, nunca é demais frisar, se deverem a vários fatores. Inclusive aprendendo Manco com os seus inimigos justamente como lhes combater. Uma vez que os incas levaram relativamente pouco tempo, em torno de apenas duas décadas, para preencher a lacuna tecnológica que tinham com os espanhóis. Pois já em 1537, quando Manco Inca Yupangui os derrotou em uma batalha na localidade próxima de Pilcisuni eles já utilizavam armas espanholas modernas na época, como arcabuzes, bestas, etc. Por sua vez em 1538, sobre Manco Inca Yupangui, ele foi registrado como habilidoso o suficiente para cavalgar para a batalha. 

Tanto que no início da década de 1540, já se sabia de vários refugiados espanhóis acolhidos em Vilcabamba que, em troca de asilo, ensinaram aos guerreiros incas como usar armas espanholas. Por mais que por esta razão que já vimos anteriormente, também ter acontecido o fim do fundador deste destacado centro de resistência, Manco Inca Yupangui. Uma vez que ele foi assassinado em 1545, por um grupo almagrista (partidários do ex-aliado de Francisco Pizarro, Diogo de Almagro que, aliás, foi morto a mando do mesmo) a quem havia dado refúgio depois das guerras contra os pizarristas (partidários de que Pizarro que também acabou chacinado em retaliação à sua traição cometida contra Almagro)

 

Vilcabamba
 

O que em parte significou o fim da sua saga mais apaixonante. Em parte, mesmo a história não acabando por aí. Porque os sucessores de Manco Inca continuaram a resistir aos espanhóis, mas agora, também ao mesmo tempo iniciaram uma série de negociações com eles para chegar a uma paz definitiva. A começar por seu filho Sayri Tupac que lhe sucedeu. Não demorando ele a iniciar conversações com o novo governador espanhol, Pedro de La Gasca. Chegando a aceitar a oferta deste em trocar Vilcabamba por propriedades. O que o colocou contra o resto da elite de Vilcabamba, algo com que ele não se importou. Mas durante os preparativos, seu tio (irmão de Manco Inca) Paullu que era o governante fantoche dos incas sob a tutela dos espanhóis, morreu repentinamente em 1549. E isto foi tomado como um mau presságio (ou um sinal de traição espanhola) de modo que Sayri Túpac voltou atrás. Sim, ele permaneceu em Vilcabamba, porém, não por muito tempo.

Já que então em 1558, Sayri cedeu novamente, desta vez, definitivamente, sem voltar atrás. E assim deixou seu reino para viajar para Lima, nova capital do Peru, pátria que era o coração do império inca, onde foi recebido com honras. Com isso, coube a seu irmão Titu Cusi Yupangyui assumir a defesa de Vilcabamba. Pois Sayri Túpac, após obter imunidade e uma propriedade das terras do Vale do Yucay (Vale Sagrado ou Urubamba) onde construiu um palácio em Yucay; se fez aliado dos espanhóis. Por mais que ele não tenha tido tempo muito para usufruir do pacto que fez. Uma vez que ele morreu alguns anos depois, tendo antes aceitado ser batizado com o nome de Diego.

E com isso Titu Cusi Yupanqui, agora no comando do reino, tomou uma posição guerreira contra os espanhóis. Contudo, aos poucos igualmente cedendo. Já que em 1568, depois de concluídas as negociações com o Tratado de Acobamba, Titu permitiu a entrada de missionários em Vilcabamba. E junto se fez uma conveniente coincidência aos espanhóis. Um confuso incidente com um missionário (de nome Diego de Ortiz) terminou com a doença e morte súbita do rei (em 1570) e o subsequente assassinato deste padre em retaliação.

E é deste modo que o império de Vilcabamba ao mesmo tempo em que caminha para o fim, também tenta mostrar um pouco da antiga força que tinha com o seu fundador Manco Inca. Agora com o terceiro filho de este a assumir o trono: Tupac Amaru, que se menciona atualmente como Tupac Amaru I, de modo a lhe diferenciar de seu bisneto, o já comentado aqui José Gabriel Condorcanqui, o Tupac Amaru II. Todavia, importando somente nos atermos agora a este novo monarca Inca. O qual formou um exército e o colocou sob o comando de generais como Huallpa Yupanqui, Cori Páucar Yauyo e Colla Túpac.

Disposto a não só tolerar aos espanhóis como seus irmãos. Motivo pelo qual denunciou o Tratado de Acobamba, expulsou os espanhóis de Vilcabamba, fechou suas fronteiras e proclamou que lutava pela restauração de Tahuantinsuyo (nome do antigo império inca destruído por Pizarro). O que, infelizmente, se fez ao fim mais um ideal do que um fato a ser consumado.

O vice-rei do Peru na época, Francisco de Toledo, tentaria, mais uma vez, a mesma estratégia de antes: enviando em 1571 o dominico Gabriel de Oviedo e o licenciado García dos Rios a Vilcabamba, para que entregassem os documentos sobre os termos para uma trégua a Túpac Amaru e solucionar o problema de forma pacífica (que exigira a submissão gradual como fizeram seus irmãos). Visita que o monarca inca, todavia, nem se deu ao trabalho de receber, obrigando os diplomatas a voltarem de mãos abanando. O que faz com que um conflito se tornasse eminente, só precisando de um pretexto para estourar. E este não tarda: ao tentar mais uma vez o envio de um novo diplomata, que desta vez acabou sendo logo morto pelos homens de Tupac Amaru. Agora havia a desculpa perfeita para um ataque brutal. 

Tanto que a palavra de ordem do Vice-rei é de ocupar Vilcabamba "a sangue e fogo". Muitas escaramuças foram travadas inclusive, ainda que tenha havido uma única grande batalha da campanha. Que ocorreu em Choquelluca, às margens do rio Vilcabamba. Os incas atacaram primeiro com grande espírito apesar de estarem apenas levemente armados, mas os espanhóis e seus aliados indígenas conseguiram resistir a eles. Mesmo quando os espanhóis chegaram a um momento crítico prestes a serem dominados pelos guerreiros incas. Tudo graças a eliminação de dois importantes generais incas remanescentes: Maras Inga e Parinango. Seguida da luta pessoal entre o comandante inca Huallpa e o espanhol García de Loyola, líder do ataque.

Quando o comandante espanhol estava em uma situação desesperadora por ter recebido vários golpes diretos e correr o risco de ser morto, um de seus partidários atirou traiçoeiramente nas costas do general inca, matando-o e selando de vez o destino da batalha. Que, para Tupac Amaru não seria o fim. Pois igual seu pai recuou várias vezes até ter sucesso em montar sua sede de operações em Vilcabamba, primeiro deixando a localidade de Ollantaytambo e depois a cidade de Victos; ele pensa em fazer o mesmo retrocedendo ainda mais para o interior da selva. Contudo, diferente de seu pai, ele acaba, não muito depois, capturado e executado em maio de 1572.

E assim, apenas com o fim de Vilcabamba, que então o controle espanhol sobre o Peru é consolidado. Fato que sendo agora conhecido, junto com a emocionante história de Manco Inca Yupangui que já contamos no ano de 2017, nos mostram como os livros escolares simplificam demais a este acontecimento da invasão do Peru pelos espanhóis, se atendo basicamente entre a guerra civil dos irmãos Huascar e Athaualpa, a captura deste último por Francisco Pizarro e sua execução, podendo por vezes mencionar a Manco Inca Yupangui ter sido feito governante fantoche dos espanhóis. Fora isso nada mais.

Um simplismo sem tamanho se ignorar todos estes desdobramentos, por mais que ao fim eles tenham terminado numa crônica da derrota que precisa ser melhor conhecida. Não para ser idealizada sob um prisma romântico, mas sim para tentar entender que fatores ao fim contribuíram para esta derrota. E com isso, aprender com o ontem, o hoje.

 

Vídeos sobre a resistência inca em Vilcabamba:

Reportaje al Perú - VILCABAMBA y la resistencia inca - 16/06/2016

 


Vilcabamba - 40 years later

 





[1] Ainda que no estado do Piauí, sua terra natal, seu legado seja mais conhecido, divulgado.

 

 

Sobre o autor:


LUIS MARCELO SANTOS: É professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia e mestrando em História pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.

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