2020: o ano da quarentena

Todo ano tem histórias, lutas e momentos especiais que merecem ficar registrados no solo do tempo. Porém, o ano de 2020 é diferente de muitos, após séculos, e vai entrar para história por causa da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) e de suas consequências para a sociedade e para o modelo econômico vigente. 2020 foi o ano da quarentena, mas sem lockdown. Foi também o ano da desastrada condução da crise sanitária e social pelos governos das Américas. Além de ter sido o ano, em que a organização popular protagonizou fatos históricos, em meio a muitos que desistiram de lutar pelas transformações que o mundo todo precisa!


2020 foi ano de mobilização popular contra Bolsonaro e o fascismo

Em fevereiro, no dia 26, foi confirmado o primeiro caso de COVID-19 no Brasil. Segundo dados da imprensa, foi um homem de 61 anos do estado de São Paulo. A doença, até então, tinha sido registrada desde dezembro de 2019, na localidade de Wuhan, na China – o que despertou para muitos conspiracionistas a ideia de que era um “complô comunista chinês para dominar o mundo”; logo a direita passou a politizar o vírus: uns viraram negacionistas, outros falavam em “vírus chinês”. Essa teoria sem qualquer lastro na realidade chegou até o presidente do Brasil, que se negava a trazer a vacina chinesa para o país, com declarações como as duas que seguem: “Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina.”


 2020 foi o ano em que Bolsonaro estimulou a transmissão do COVID-19 no Brasil

A partir de março, a gravidade da pandemia do novo coronavírus parecia começar a preocupar autoridades brasileiras. Alguns setores, como as escolas, fecharam. O debate saúde versus economia começou a dividir a opinião pública brasileira. Essa divisão surgiu principalmente entre os setores mais conservadores do empresariado brasileiro. Um dos exemplos mais bizarros é do empresário Junior Durski, dono da rede de lanchonetes Madero. Em vídeo, Durski diz “O Brasil não pode parar dessa maneira, o Brasil não tem essa condição. As consequências serão muito maiores do que as pessoas que vão morrer por conta do coronavírus”. O governo federal, presidido pelo incompetente Jair Bolsonaro, também fez pouco caso da pandemia que avançava. Não houve esforço algum para coordenar ações entre união, estados e municípios. Não houve medida imediata de fechamento com garantias de renda para trabalhadores e empresários ficarem em casa e fechar o comércio – apesar do alerta constantes de especialistas e autoridades sanitárias.

Somente a partir de abril começou a ser pago o auxílio emergencial, uma política social extremamente necessária frente ao estado de calamidade pública causado pela pandemia e pelo governo Bolsonaro. É importante que se diga: o auxílio emergencial não foi pensado pelo governo federal, foi uma política do Congresso. Aliás, a população brasileira precisa encarar a realidade que o governo Bolsonaro/Paulo Guedes não quis dar auxílio nenhum, alegando que não havia dinheiro para tal: “Em março, quando as mortes oficiais ainda eram contadas em dezenas, o Congresso e o Executivo começaram os debates sobre a necessária ajuda aos trabalhadores informais, que perderam rendimentos, seja pela doença, pelo distanciamento social para conter a contaminação ou pela queda do consumo em geral. O Ministério da Economia pensou em pagar uma espécie de voucher, concedido aos inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), utilizado pelo governo para os programas sociais. Alegando não haver respaldo nas contas públicas para pagar valor maior, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou uma possível ajuda de R$ 200. O ministro mencionou a intenção de pagamento, mas não houve uma proposição formal do Executivo." (Fonte: Agência Senado)

Maio foi um mês marcante para a história do racismo na América, pois foi quando aconteceu a morte brutal de George Floyd na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos. Suas últimas palavras “i can’t breathe” (eu não consigo respirar) se tornaram o grito de guerra contra o racismo estrutural que também existe naquele país.

No dia 26 de agosto é aprovado o FUNDEB permanente (Emenda Constitucional 108). A aprovação dessa política é resultado da mobilização de trabalhadores da educação, alunos, pais e sociedade como um todo que reconhece que educação não é gasto, e sim investimento. Apesar do distanciamento social, professores, pais, alunos e demais trabalhadores e trabalhadoras realizaram um intenso trabalho de pressão e mobilização virtual. Uma votação histórica, na qual os deputados bolsonaristas Bia Kicis (PSL-DF), Chris Tonietto (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR) e Junio Amaral (PSL-MG). Paulo Martins (PSC-PR) e Dr Zacharias Calil (DEM-GO) votaram contra a educação pública – lembre-se de jamais votar neles novamente!

Na véspera do Dia da Consciência Negra, morre João Alberto Silveira Freitas, de forma brutal numa das lojas da rede Carrefour. O crime levou a uma onda de protestos em todo Brasil. Em meio aos atos de rua e reivindicações de movimentos negros, o vice-presidente Hamilton Mourão diz que não há racismo no Brasil, mostrando que desconhece o país e sua longa história de escravidão e violências de todo tipo.

O Brasil, em dezembro, se aproxima de duzentas mil mortes por coronavírus. Isso, por que o país não adotou medidas rígidas de isolamento – cada estado e município com os lobbys locais de empresários, fizeram apenas fechamentos por alguns dias da semana do comércio, o que, obviamente, não adianta de nada.

O ano de 2020 foi de desastre ecológico no Brasil. Após um ano terrível em 2019, o fogo avançou não só pela Amazônia, como também pelo pantanal brasileiro. Essa destruição toda é feita por grupos empresariais ligados ao agronegócio e a exploração ilegal de madeira e mineração, que sem um controle do governo federal (Bolsonaro mais uma vez!) destroem a natureza em busca de lucros imediatos das commodities que o Brasil se especializou em exportar.

Mas o ano de 2020 também ficou marcado por uma onda de protestos pela América Latina, apesar da pandemia. No Perú, por exemplo, milhares foram para as ruas em diversas cidades do país, para protestarem contra a deposição do presidente Martin Vizcarra. No lugar do presidente que sofreu impeachment, foi colocado como presidente interino Manuel Merino, que permaneceu cinco dias no cargo. Com as notícias de repressão aos manifestantes, incluindo centenas de feridos e mortes por armas de fogo, treze ministros deixam seus cargos.


Protestos no Perú contra a deposição do presidente Martin Vizcarra

Após intensas manifestações populares, os peruanos conseguem derrubar Manuel Merino, após foi estabelecido o governo de Francisco Sagasti, mas os protestos não pararam. Então os manifestantes passaram a exigir uma Assembleia Constituinte para alterar a Constituição atual, escrita durante a ditadura de Alberto Fujimori, em 1993. Os protestos começaram em um contexto onde durante vários meses, o Peru era o país com maior taxa de mortalidade por coronavírus no mundo.

Enquanto no Chile, quando se completavam sete meses dos protestos de outubro do ano passado, moradores de Al Bosque saíram para as ruas para protestar, resultando em saques e dezenas de detidos. Depois ocorreu o mesmo em La Pintana. Os protestos ocorreram, por que os chilenos que viviam em municípios operários preferiam morrer de Coronavírus a morrer de fome. Até o dia 24 de maio, aconteceram 673 mortes por Coronavírus no país.

Manifestante chuta os destroços de uma barricada em chamas durante um protesto no bairro de Cerrillos, em Santiago, na sexta-feira, 22 de maio de 2020.  Fonte: El Pais


Meses mais tarde, devido o desemprego, a falta de acesso à água, e pela retomada do processo constituinte, adiado pelo governo Sebastián Piñera, milhares de manifestantes reuniram-se na Praça Itália, no centro de Santiago, exatamente um ano após o início das manifestações que resultaram em uma grande revolta popular por igualdade social no país, iniciada com o aumento das passagens de metrô. Houve repressão do Exército, e revide dos manifestantes, que feriram policiais, queimaram viaturas, igrejas, estações de metrô, delegacias e saquearam mercados na capital. Com os protestos, a consulta aconteceu e houve a vitória de uma reforma constitucional, exigida pela população que defendia o fim da constituição do tirano Pinochet.

Muitas outras mobilizações ocorreram na América Central, em países como Guatemala. Nesse país, houve protestos contra a diminuição de repasses para setores como saúde e educação, contra o auxílio alimentação aos parlamentares no valor de US$ 65 mil, pela depuração no congresso, em defesa da renúncia da corte suprema, e exigindo a retirada do cargo do então presidente Alejandro Giammattei, criticado pela má condução do combate à pandemia. O ponto alto dos protestos foi quando no dia  21 de novembro, manifestantes colocam fogo no Congresso.


 Manifestantes incendeiam o Congresso, em protesto na Guatemala


No Brasil aconteceram contra protestos antifascistas liderados por torcidas organizadas de futebol, combatente manifestações de fascistas que clamavam por intervenção militar e outras pautas em frente os quarteis, além de protestos organizados por entregadores de aplicativos.

Hoje, 2021, passados mais de um ano em que a população convive com a pandemia e muitos morrem por causa dela, o Brasil surge como um "pária internacional". Bolsonaro e seu governo tornaram nosso país um laboratório para variantes de coronavírus, mais transmissíveis.  E o que é pior, estamos na contramão de todos os alertas de especialistas, médicos e sanitaristas. Enquanto países como Estados Unidos e Inglaterra já começam a dar sinais de volta a "normalidade", o Brasil segue com alta de mortes e sem nenhum tipo de medida eficaz, como lockdown de 3 semanas.

Passado esse tempo as opções para os povos americanos, em especial do Brasil, são: revolta ou barbárie! Estado de bem-estar social ou o caos! De que lado você está?



Sobre os autores:


 

Fábio Melo: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata (GEACB). Pesquisa sobre História Social da América e Educação. Produtor e radialista do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Professor de História e Geografia. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política.




 
Rafael Freitas: Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e apresentador do programa "História em Pauta", que já passou por rádios comunitárias de Porto Alegre e Alvorada. Colunista no Jornal de Opinião (do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alvorada- SIMA) e no Jornal de Viamão.



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