É curioso que o primeiro bairro operário do Brasil foi construído por um militar, durante o período conhecido como República Velha (1889-1930) – no qual leis sociais do trabalho nem sequer eram levadas a sério pelos políticos.
Localizado na cidade do Rio de Janeiro (capital do país na República Velha), o bairro foi um projeto extremamente inovador para a época: um bairro projetado com residências e uma vasta rede de serviços públicos para seus habitantes.
Estação de Marechal Hermes de 1913, inaugurada junto com o bairro. Fonte da foto: https://diariodorio.com/historia-do-bairro-de-marechal-hermes/
“Fundado em 1° de maio de 1913, o bairro de Marechal Hermes foi o primeiro bairro operário planejado do Brasil. Estritamente residencial, com direito a ampla rede de serviços públicos como escolas, hospitais e teatro, o bairro de Marechal Hermes nasceu como vila proletária, idealizada pelo então presidente da república Marechal Hermes da Fonseca, preocupado com a carência de moradias populares enfrentou a oposição do congresso e determinou sua construção, destinando para isso uma fortuna para a época de 11 mil contos, que teve no tenente Eng. Palmyro Serra Pulcheiro a responsabilidade do desenho e execução da planta. Sua construção previa ruas largas e arborizadas com 1350 edificações, com vários tipos de moradias, escolas profissionalizantes masculinas e femininas, repartições públicas, biblioteca, praças de esportes, hospitais e creches.”¹
É ainda mais curioso saber que o bairro operário foi fundado no dia 1 de maio. Também é preciso citar que o bairro foi construído ao lado de uma importante estação de trem; desta forma, oferecendo fácil acesso ao transporte público.
Quem foi o Marechal Hermes que dá nome ao bairro?
O marechal Hermes da Fonseca (1855-1923), foi uma figura emblemática de sua época. Nascido em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, ingressou no Colégio Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, onde foi aluno do famoso divulgador do positivismo no Brasil, Benjamin Constant. Passou a exercer importantes cargos ao longo de sua carreira militar. Se destacou ao defender o governo de Floriano Peixoto, durante a Revolta da Armada (entre 1891 e 1894). Foi comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A partir de 1904, foi comandante da Escola Militar do Realengo; neste cargo reprimiu a Revolta da Vacina, ocorrida no mesmo ano.
Em 1910 foi o candidato do recém-fundado Partido Republicano Conservador, idealizado pelo poderoso senador gaúcho José Pinheiro Machado como a agremiação de políticos dissidentes da hegemonia café com leite (com os políticos de São Paulo e Minas Gerais revezando na presidência). Sobre as eleições de 1910, o historiador Boris Fausto argumenta:
“A campanha para a presidência da República, em 1909-1910, foi a primeira efetiva disputa eleitoral da vida republicana. O marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro, saiu candidato com apoio do Rio Grande do Sul, de Minas e dos militares. São Paulo, na oposição, lançou a candidatura de Rui Barbosa, em aliança com a Bahia.”²
Hermes venceu a eleição mais disputada do período. No mesmo ano, 1910, reprimiu duramente a Revolta da Chibata (ou Revolta dos Marinheiros), liderada por João Candido e contrária aos castigos corporais aplicados aos marinheiros (em sua maioria negros).
Segundo Darcy Ribeiro: “Assume a Presidência o marechal Hermes, gaúcho, monarquista, ex-assessor do Conde d’Eu, mas sobrinho de Deodoro da Fonseca, fundador da República. Governa sob estado de sítio e mediante intervenções arbitrárias que se tornam célebres como salvações que depõem e impõem governadores. O presidente Hermes […] é recordado como um pau-mandado de Pinheiro Machado e, também, por seu célebre pé-frio, mas sobretudo pelo casamento escandaloso – ele velho bronco – com a jovem e bela Nair de Tefé – moça inteligente e viajada –, o que enche de inveja todos os políticos do país. Nenhum presidente, antes de Hermes, foi tão ridicularizado pela imprensa.”³
É bem possível que parte dessa ridicularização por parte da imprensa, seja por causa da construção do bairro. Havia quem achasse a construção cara demais e que, na prática, poucos operários de fato moravam lá.
Ao que consta, com o fim do mandato presidencial de Hermes, as construções do bairro foram interrompidas. “Das 1350 edificações somente 165 foram entregues no prazo. Por conta da forte presença de descendentes de portugueses, neste início, o Bairro ficou conhecido como 'Portugal Pequeno'. Muitos desses moradores iniciais seriam ex-habitantes de residências no Morro do Castelo, demolido na mesma época. Contudo, a prioridade acabou sendo para quem tinha contatos e influência nos órgãos públicos que faziam a distribuição de pessoas para as novas casas erguidas em Marechal. Na década de 1930, durante o governo Getúlio Vargas, os trabalhos no Bairro foram retomados. Após uma intervenção urbana e política no projeto inicial, Marechal Hermes foi, enfim, terminado.”⁴
Planta do bairro Marechal Hermes. Disponível em: https://institutoparacleto.org/2010/03/02/voce-conhece-a-historia-de-marechal-hermes/
Atualmente, Marechal Hermes é um bairro considerado de classe média. É conhecido pelo comércio, pela movimentada estação e pela famosa “batata de Marechal”, uma iguaria vendida em sacolas plásticas. O bairro também possui muitos bens tombados como patrimônio. Acesse: https://riomemorias.com.br/memoria/bens-tombados-de-marechal-hermes/
Localização de Marechal Hermes na cidade do Rio de Janeiro. Imagem do Google.
NOTAS:
¹ https://institutoparacleto.org/2010/03/02/voce-conhece-a-historia-de-marechal-hermes/
² RIBEIRO, 1985, p. 38.
³ https://diariodorio.com/historia-do-bairro-de-marechal-hermes/
⁴ FAUSTO, 2012, p. 233.
REFERÊNCIAS:
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
FREITAS, Rafael. República da Espada no Brasil. Disponível em: http://geaciprianobarata.blogspot.com/2019/05/republica-da-espada-no-brasil-verbete.html
RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos: como o Brasil deu no que deu. Rio de Janeiro: Guanabara, 1985.
https://diariodorio.com/historia-do-bairro-de-marechal-hermes/
https://institutoparacleto.org/2010/03/02/voce-conhece-a-historia-de-marechal-hermes/
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