Texto publicado originalmente no Jornal de Viamão (http://www.jornaldeviamao.com.br/) e disponível em http://coluna-do-rafael-freitas.blogspot.com.br/search/label/20%20-%20Alerta%20L%C3%BAcio%20J%C3%BAnior%20Esp%C3%ADrito%20Santo%21
Não deve-se temer o anacronismo. Que nada mais é que colocar como ponto de partida os nomes dos acontecimentos para explicar a nossa história. Se pensarmos através do medo do anacronismo, vamos nos censurar e pensar que antes de Heródoto não existia história, porque ele foi o primeiro a registrar em escrita esta palavra. Mas o que era história em seu tempo, senão a narrativa dos acontecimentos? Populações sem escrita também transmitiam os fatos através da fala e de outras maneiras. No século XVIII com o iluminismo, a ascensão social da burguesia e a industrialização, tudo mudou para a história, que sofreu uma transformação. Mas foram os acontecimentos que alteraram a palavra história, que passou a se referir também a própria realidade.
E. P. Thompson em “Costumes em comum”, chamava a atenção para os riscos de interpretar a história inglesa através do vocabulário do período. Palavras como “pobres” e “população” eram carregadas de preconceitos de classe. Foi quando o trabalho tornou-se crime, já que através de jogos de palavras no âmbito jurídico, o direito de uso a terra comunal passou aos proprietários. As leis do parlamento não podem, portanto, criar um medo do anacronismo. E Thompson sabia, como poucos, enfrentar esse temor.
Será que no Brasil não existiram greves antes da invenção da palavra? Os ingleses chamavam de “strike”, os espanhóis de “huelga”, os italianos de “sciopero”, os franceses de “greves”, e no Brasil, levava o nome “paredes”. Nas nossas primeiras fábricas, milhares dos operários eram ainda negros escravizados, que protagonizavam as lutas dos trabalhadores no campo e na cidade, durante a monarquia e a república, antes e depois da vinda dos assalariados imigrantes italianos e anarquistas. Arrisco dizer que antes das paredes existiram os quilombos. Mas o horror ao anacronismo, este combatente do eurocentrismo, nos faz pensar que antes da palavra “grève”, greves não ocorreram. Nada mais enganador. A palavra é menos importante que a história vivida. No Brasil sempre ocorreram paralisações coletivas de trabalho como forma de protesto e de barganha, e tanto faz o nome que seja dado. Quilombo, parede, ou greve. Ou simples vagabundagem!
É verdade, que hoje entre os movimentos grevistas, existem trabalhadores que usam as paralisações para adiantar as suas férias, são as “greves de pijama”. E na greve nacional dos bancários não é diferente. Esta que é considerada pelas lideranças sindicais como uma das maiores greves dos bancários nos últimos anos está longe de ser perfeita. Mas há uma confusão de palavras, entre “bancários” e “banqueiros”. Esses mesmo nas crises sempre lucraram, principalmente durante os governos de Lula e de Dilma. Enquanto aqueles, têm em suas pautas questões legítimas, entre elas: as demissões em bancos privados, as terceirizações, risco de privatização de bancos públicos, assédio moral, pressão por metas, precárias condições de trabalho e de atendimento, acúmulo de funções dos estagiários. As roupas sociais que os bancários são obrigados a usar, são compradas pelo trabalhador. Não é a toa que os bancários têm altos índices de suicídios. Não deve-se, portanto, confundir as palavras e tratar bancários como se banqueiros eles fossem.
Os bancários paralisaram seu trabalho para barganhar um aumento real dos seus salários. Cerca de 14.000 agências foram fechadas no Brasil, em uma greve que iniciou em 6 de setembro. Pela primeira vez eles sentam nas mesas de negociações, com um novo governo federal. Um dos resultados foi a prisão política da funcionária do banco Santander, a sindicalista Maria Rosani Gregorutti, em São Paulo. A truculência policial mostra o “notório saber” do estado para lidar com os nossos grevistas. Ainda temos a questão social como questão policial?
A confusão entre “bancários” e “banqueiros” não é a única, também há entre “direitos de consumidor” e “direitos cidadãos”. E a greve é um desses direitos democráticos. E há diversos precedentes em nossa História. No vocabulário de nossas leis existe a palavra “democracia”. Mas não podemos ficar apenas nas palavras, que ainda hoje ludibriam qualquer entendimento sobre nossa realidade. Ser diretora executiva do Sindicato dos Bancários de São Paulo é hoje causa para detenção? Alerta!
Rafael da Silva Freitas: Nasceu no dia 29 de dezembro de 1982 em Santa Maria, RS. Historiador. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio A Voz do Morro. Colunista no Jornal de Viamão.
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