SOLDADO SILVIO ROBERTO VIEIRA

Já comentamos antes que não só ditos grandes atos fazem a história e agora dizemos que muito menos só os ditos grandes que a forjam. Por mais que os livros sempre comentam cruéis omissões. Tal como já mencionamos antes com um vulto de grande relevância na história das lutas indígenas, chamado Mandu Ladino que falamos sobre ele no verbete “Mandu Ladino? Quem foi Mandu Ladino?” de 15 de julho de 2015 . Ou então a brava Maria Felipa Aranha que pouco se comenta sobre sua árdua e eficaz luta contra a sociedade escravagista de seu tempo que comentamos no dia 28 de maio de 2019.

Logo, a dramática história do policial Silvio Roberto Vieira não é um caso isolado de um grande personagem ignorado pela maioria. Apesar de seu ato de coragem, mesmo de desespero a sua ação promovida em frente às câmeras, que alterou para sempre as condições de trabalho dos policiais militares, pelo menos do seu estado, Santa Catarina. Uma história que se passa num Brasil que se orgulha que de voltar à democracia, no ano de 1986 e à efervescência em discussões quanto aos direito sociais, mas que pouco difere do mesmo Brasil das oligarquias quando em 1910 estourou um levante conhecido nos livros como a Revolta da Chibata.

Pois senão vejamos: intensas horas trabalhadas, pressão nas ruas, hierarquização rígida, proibição do direito à greve, confrontos com armas de fogo e falta de acompanhamento psicológico. Uma verdadeira panela de pressão que até hoje os policiais vivem com o agravante de não terem nem sequer o direito de levar ao conhecimento geral esta situação caótica.

Foi por isso que no dia 12 de maio de 1986, esse policial, cansado das condições de trabalho e abalado psicologicamente, invadiu um programa de TV da RCE TV – Rede de Comunicações Eldorado, em Florianópolis. Portando 5 revólveres, quando ameaçou tirar a própria vida em frente às câmeras.  















Era começo de noite de uma segunda-feira, quando estava sendo apresentado o Terceiro Tempo – programa esportivo que não pode ser confundido com o mesmo atualmente no ar, transmitido pela Rede Band aos domingos. Seu apresentador Roberto Alves, da TV Cultura de Florianópolis foi pego de surpresa ao ver um homem negro, vestindo farda da polícia militar e armado com cinco revólveres calibre 38. Parecia uma cena totalmente surreal. Ou melhor, irreal, num país onde, os absurdos constantemente se tornam se realidade.

O policial Silvio estava desesperado, disse que não aguentava mais as condições de trabalho e salário. Ele expôs, com uma clara expressão de transtorno, sofrimento, angustia que com o que ganhava não dava conta de dar o mínimo de dignidade para os seis filhos. O programa continuou no ar, mesmo com o clima tenso dentro e fora do programa. Ao todo quase 30 minutos. O soldado chamou o então governador do estado, Espiridião Amin (pertencente ao PDS, antiga ARENA, partido de sustentação do Regime Militar) de vagabundo por ter descumprido suas promessas de campanha em relação aos policiais militares. O governador, diante da saia justa, querendo dar fim à situação, enviou oficiais da polícia e o chefe de Silvio para a porta do estúdio. Os quais, ao fim do incidente, o humilharam por 45 minutos, lhe acusando de ter desonrado toda a corporação com este seu ato.

Mas antes disso Silvio conseguiu expor a situação, explicando que um grupo de policiais tinha se organizado para fazer protesto, mas só ele, movido por coragem e desespero, adentrou no programa. Foi quando coronel da PM sentou ao seu lado, levando o soldado a enfiar a arma em sua boca. A imagem daquele homem negro, fardado, chorando de desespero e com uma arma na boca comoveu a opinião pública e os apresentadores. Estes, inclusive acompanharam o policial até o batalhão, e insistiram que se os superiores usassem violência, eles denunciariam ao vivo qualquer violação dos direitos de Silvio. Pois todos os que se surpreenderam com seu ato de coragem o consideravam um herói, ao ousar denunciar o péssimo tratamento fornecido pelo Estado aos agentes da lei, durante aquele programa de TV. Um duro golpe às autoridades da época que, assim, não tiveram nenhuma outra saída senão fazer alguma coisa.

Tanto que após esse ocorrido, a polícia militar de Santa Catarina passou por reformas (insuficientes, mas significativas), ainda que ao custo de Silvio ter sido expulso da corporação e condenado a quatro anos de prisão. Ainda que ele passasse toda a sua pena cumprida em regime aberto. O que não impediu que ele em seguida sofresse novas retaliações, ao ser colocado, no dia que sua pena foi encerrada, então na solitária, vestido só com uma cueca, em mais uma demonstração de autoritarismo de seus superiores. O sentimento de vingança mesquinho das autoridades exigia mais essa provação do agora ex-soldado que continuaria até o fim de sua vida a arcar com o preço de sua iniciativa.

Sem emprego, e entregue à bebida, ele passou a se oferecer para cortar grama em casas das áreas nobres de Florianópolis, contudo, não desistindo de sonhar, uma vez que em 2018, uma reportagem da TV mostrou que Silvio estava cursando a faculdade de Direito, por meio de uma Bolsa de estudos.  Contudo, ao falecer no dia 1° de março de 2021, ele encerrou uma trajetória marcada pelo alcoolismo, depressão, drogas e sérios problemas mentais. O Estado de Santa Catarina até hoje em nada admitiu a injustiça que cometeu com o soldado. E sua morte passou quase despercebida, com poucas menções sobre ela na mídia. Então que façamos nossa parte e reconheçamos o ato de coragem deste homem, invés de criticarmos seus métodos, entendendo suas motivações. Valorizando sua coragem que outros não tiveram em arcar com tal alto custo para tentar mudar algo. Logo que não deixemos cair no esquecimento à memória deste soldado Silvio Roberto Vieira.

 


 Sobre o autor:


LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia e mestrando em História pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (1905-2005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”.


 

 

 

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